Capítulo O8

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੭࣪  O8
Jennie

LEVANTEI DA CAMA COM UM SUSPIRO QUANDO TAEHYUNG ME CHAMOU E DISSE QUE O JANTAR estava pronto

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LEVANTEI DA CAMA COM UM SUSPIRO QUANDO TAEHYUNG ME CHAMOU E DISSE QUE O JANTAR estava pronto. Ele tinha feito uns tacos de legumes fumegantes que estavam em cima da mesa improvisada, uma prancha de surfe com quatro pés de madeira em frente ao sofá. Além de sua mesa de trabalho cheia de tralha, era a única mesa da casa, sem contar o baú antigo onde ele colocava o toca-discos. Aquele lugar era muito a cara dele, com aqueles móveis que combinavam apesar de serem tão diferentes, a ordem dentro da desordem, o reflexo de sua paz interior nas pequenas coisas.
Eu tinha inveja dele. Essa maneira que ele tinha de viver, tão despreocupado e tranquilo, sempre olhando em frente, sem olhar para o que estava ficando para trás, sempre focado “no agora”.

Sentei do outro lado do sofá e comi em silêncio.

— Então amanhã você vai para o colégio de bicicleta…

Fiz que sim.

— Quer que eu te leve de carro?

Fiz que não.

— Tudo bem, como preferir. — Taehyung suspirou. — Quer um chá?
Levantei a cabeça devagar e olhei para ele.— Chá? A esta hora?
— Sempre tomo chá à noite.
— Tem cafeína — sussurrei.
— Pra mim, não faz efeito.

Taehyung levou os pratos para a cozinha. Olhei para ele por cima do ombro enquanto ele se afastava. Tinha o cabelo loiro escuro como trigo maduro, ou como a areia da praia ao entardecer. Parei de olhar, confusa, afastando as cores para o lado, enterrando-as.

Taehyung me chamou uns minutos depois, com um copo de chá numa mão e um maço de cigarros na outra.

— Vamos lá na varanda? — propôs.
— Não, eu vou para a cama. Boa noite.
— Boa noite, Jennie. Descansa.

Me meti debaixo dos lençóis, apesar de não estar fazendo frio, e escondi a cabeça debaixo do travesseiro. Escuridão. Apenas escuridão. Na casa de Taehyung não tinha nenhum barulho de carro passando na rua de vez em quando, nenhuma voz distante, apenas silêncio e meus próprios pensamentos, que pareciam estar gritando e se agitando, reprimidos. Quando percebi que a ansiedade começava a apertar meu peito e a respiração ficava irregular, fechei os olhos com força e me agarrei aos lençóis, desejando que tudo desaparecesse. Tudo.


**


Na manhã seguinte, encontrei Taehyung na cozinha. Ele usava só um calção de banho vermelho, ainda molhado, e estava fazendo uma torrada. Sorriu para mim. E eu o odiei um pouco por isso, por sorrir assim para mim, com aquela curva perfeita, com aquele brilho nos olhos. Evitei olhar para ele e abri a geladeira para pegar o leite.

— Dormiu bem? — perguntou.
— Dormi — menti. Tinha tido pesadelos de novo.
— Não quer mesmo que eu te leve?
— Não precisa. Mas obrigada.

Logo depois me afastei dali, para longe dele, pedalando sem parar até chegar ao colégio e deixar a bicicleta presa em uma cerca pintada de azul. O prédio de madeira era pequeno, com uma varanda em volta. Olhei para baixo quando passei pela entrada e não falei com ninguém. Antes, este era um dos meus momentos favoritos do dia: chegar ao colégio, encontrar minhas amigas, saber as últimas fofocas e caminhar com elas até a sala. Mas eu não conseguia mais fazer isso. Tinha tentado, de verdade, mas havia uma barreira entre nós, algo que antes não existia.

Desejei que Blair não tivesse começado a trabalhar lá quando passei por ela com a cabeça baixa, deixando o cabelo cobrir um pouco o meu rosto. Acho que por isso eu o deixava tão comprido, para tentar passar despercebida, para esconder a expressão que eu sabia que todos podiam ler em meus olhos. Se tivessem me oferecido um superpoder, eu teria escolhido a invisibilidade. Assim eu poderia ter escapado dos olhares de piedade, no começo, e dos que vieram depois, que pareciam gritar que eu era estranha, que eles não me entendiam, que eu não estava me esforçando o suficiente para sair de novo à superfície e respirar...

Fiquei a manhã inteira sentada na minha mesa rabiscando espirais em um canto do livro de matemática, concentrada na forma como as linhas se curvavam e no movimento suave da caneta preta. Quando a aula terminou, percebi que mal tinha ouvido o que a professora tinha falado. Guardava os livros na mochila quando Blair entrou timidamente na sala e veio em minha direção. Quase todos os colegas já tinham saído. Olhei para ela constrangida, querendo escapar.

— Oi! Podemos conversar?
— Eu… preciso ir…
— É rapidinho.
— Tá bom.

Blair respirou fundo.

— Soube que seu irmão vai ter que passar um tempo em Sidney e queria que soubesse que se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, pode contar comigo. Eu ainda estou aqui. Na verdade, nunca saí.

Senti o coração bater mais depressa. Eu desejava aquilo, que tudo voltasse a ser como antes, mas não conseguia. Cada vez que fechava os olhos, via o carro dando voltas e mais voltas, uma vala verde embaçada mostrando que tínhamos saído da estrada, uma música que parou de repente, um grito congelado. E depois... depois eles estavam mortos. Meus pais. Eu não conseguia esquecer, não conseguia tirar aquela cena da cabeça por mais do que algumas horas, como se ela tivesse acontecido no dia anterior e não quase um ano antes. Não conseguia andar ao lado de Blair e sorrir cada vez que passávamos por um grupo de turistas surfistas, ou falar sobre o que faríamos no futuro, porque a única coisa que eu queria fazer era... nada. E tudo em que eu conseguia pensar era... neles. E ninguém me entendia.
Pelo menos, foi a essa conclusão que cheguei depois de várias sessões com o psicólogo a que Oliver me levou.

— Não tem por que ser igual, Jennie.
— Não teria como ser — consegui dizer.
— Mas pode ser diferente, novo. Não era isso que você fazia antes, quando pintava? Pegar algo que já existe e interpretar de outra forma. — Engoliu em seco, nervosa.
— Você não consegue fazer isso com a nossa amizade? A gente não precisa falar sobre nada que não queira.

Concordei com a cabeça antes de ela terminar, deixando aberta uma pequena brecha entre nós. Blair sorriu e depois saímos juntas do colégio. Ela me deu um tchauzinho quando eu subi na minha bicicleta laranja e comecei a pedalar na direção contrária.

𖹭

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Tudo o que nunca fomos  𑁯 𝐉𝐍𝐊 + 𝐊𝐓𝐇Where stories live. Discover now