Capítulo O9

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੭࣪  O9
Taehyung

A PORTA DO QUARTO DELA CONTINUAVA FECHADA

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A PORTA DO QUARTO DELA CONTINUAVA FECHADA.
Já fazia quase três semanas que ela estava na minha casa e, todos os dias, quando voltava do colégio, comia em silêncio o que eu tivesse preparado, sem reclamações ou objeções, e depois se trancava entre aquelas quatro paredes. Nas poucas vezes que entrei, ela estava ouvindo música com o fone de ouvido ou desenhando com uma caneta de ponta fina; nada interessante, apenas figuras geométricas, repetições, rabiscos sem sentido.

Provavelmente a frase mais longa que me falou foi na primeira noite, quando me disse que o chá tinha cafeína. Depois, mais nada. Não fosse o fato de ter uma escova de dentes a mais no meu banheiro e de eu estar começando a gostar de fazer compras de vez em quando, eu mal teria notado a presença dela. Jennie só saía para almoçar, jantar e ir para a escola.

Como era de se esperar, minha mãe veio algumas vezes trazer umas marmitas, apesar de eu ter passado vários dias no café para dizer que estava tudo bem, comer bolo sem pagar e papear um pouco com Justin, que, se algum dia meus pais deixassem de ser viciados em trabalho, assumiria o negócio.

— Como vão as coisas? — ele me perguntou.
— Acho que indo. Ou não, sei lá.
— É uma situação complicada. Tem que ter paciência. E não apronte uma das suas.
— Das minhas?
— É, sei lá, alguma merda que te passe pela cabeça e que não tenha muito sentido.

Dei uma risada e tomei meu café em um gole só. Justin e eu nunca fomos muito amigos, não éramos daqueles irmãos que saem juntos e terminam a noite bêbados ou curtindo por aí. Não tínhamos nada em comum, e, provavelmente, se o sangue não tivesse nos unido para a vida inteira, teríamos sido dois desconhecidos que nunca trocariam mais do que duas ou três palavras. Justin era sério e um pouco certinho, responsável e sensato, acho.
Quando eu era menor, me parecia que ele tinha ficado preso à vida que tínhamos em Melbourne, como se tivesse sido arrancado de lá pela raiz e o tivessem colocado em um lugar que ele não entendia bem. Comigo tinha acontecido o contrário. Aquele pedaço de litoral era o meu lugar, como se tivesse sido feito para mim milímetro por milímetro. A liberdade, poder andar descalço a qualquer hora, o surfe e o mar, a vida tranquila e o clima boêmio. Tudo.

Caminhei pelas ruas de Byron Bay depois de me despedir do meu irmão e comprei umas frutas orgânicas. Depois, enquanto voltava para casa, liguei para Oliver. Tínhamos conversado no dia anterior, mas ele precisou desligar porque alguém apareceu para avisar que ele estava atrasado para uma reunião, então só trocamos algumas poucas frases.

— E aí, como estão indo? — ele me perguntou.
— Tenho umas dúvidas novas.
— Sou todo ouvidos — respondeu.
— Jennie passa o dia trancada no quarto.— Isso eu já tinha te falado. Ela precisa do espaço dela.
— Posso tirar esse espaço?

Houve um silêncio do outro lado.

— O que você quer dizer, Taehyung?
— Você nunca pediu para ela sair do quarto e ponto?
— Não, o psicólogo falou que não funciona assim…
— Tenho que seguir essas normas? — insisti.
— Sim — ele pediu. — É uma questão de tempo. Tem sido difícil para ela.

Controlei o impulso de contrariá-lo e segurei a língua. Ele então contou do trabalho que estava fazendo, da organização que tinha efetuado naquelas três semanas. Talvez, com um pouco de sorte, ele poderia encurtar em alguns meses o período em Sidney. Não quis me agarrar antes do tempo ao alívio que senti.


**


Era um sábado. Ela havia passado a manhã inteira trancada no quarto e eu estava começando a perder a paciência, mesmo sabendo que Oliver chegaria na segunda-feira e eu recuperaria a normalidade durante sete dias. Não é que eu não a entendesse, claro que entendia sua dor, mas isso não mudava as coisas, o presente. Segundo o psicólogo a que Oliver a levara para algumas sessões, ela não estava progredindo conforme o esperado nas fases do luto. Em teoria, ainda estava presa na primeira, a negação, mas eu não estava muito convencido. Talvez tenha sido isso que me fez bater na porta do quarto.

Jennie levantou a cabeça e tirou o fone.

— Tem umas ondas boas, pega a sua prancha.

Ela pestanejou, confusa. Foi quando percebi que as propostas que faziam a ela eram sempre formuladas como uma pergunta. Propostas que Jennie sempre dava um jeito de recusar. No meu caso, não era uma pergunta.

— Não tô afim, mas obrigada.
— Não me agradeça. Tira a bunda daí e vamos.

Ela me olhou alarmada. Vi seu peito subir e descer ao ritmo da respiração rápida, de quem não esperava um ataque assim, repentino, depois de tantos dias de calma. Eu também não tinha planejado aquilo, e havia prometido ao meu melhor amigo que não faria algo assim, mas confiava no meu instinto. E tinha sido instintiva a necessidade de tirá-la daquele quarto, a vontade de arrastá-la para longe daquele lugar. Jennie se sentou reta, tensa.

— Eu não quero ir, Taehyung.
— Te espero lá fora.

Deitei na rede que ficava pendurada nas vigas da varanda, onde às vezes eu lia à noite ou ficava de os olhos fechados ouvindo música. Esperei. Dez minutos. Quinze. Vinte. Vinte e cinco. Ela apareceu depois de meia hora, com a cara fechada por ter sido contrariada, o cabelo preso em um rabo de cavalo e uma expressão de quem não estava entendendo nada.

— Por que quer que eu vá?
— Por que quer ficar?
— Não sei — respondeu em voz baixa.
— Eu também não. Bora.

Jennie me seguiu em silêncio e percorremos a curta distância até a praia. A areia branca nos recebeu, quente sob o sol do meio-dia, e ela tirou o vestido, ficando de biquíni. Sem saber por quê, desviei o olhar de forma brusca e grudei os olhos na prancha antes passá-la para ela.

— É muito curta — ela reclamou.
— Como tem que ser. Mais agilidade.
— Menos velocidade — replicou.

Sorri para ela, não pela resposta, mas porque pela primeira vez naquelas três intermináveis semanas estávamos tendo algum tipo de conversa. Fui para a água e ela me acompanhou sem resmungar.

Apesar de a cidade ser uma meca para muitos surfistas, as ondas geralmente não eram grandes. Naquele dia, porém, haveria um fenômeno conhecido como “a famosa onda de Byron Bay”. Isso acontecia quando se juntavam três points na maré cheia, criando uma longa onda que avançava para a direita, começando na ponta do cabo e entrando na baía com tubos regulares esincronizados.
Eu não perdia aquele espetáculo por nada. Fomos um pouco mais para o fundo. Ficamos em silêncio, sentados em nossas pranchas, esperando o momento perfeito, esperando... Jennie reagiu e me seguiu quando acenei para ela e me movi, sentindo nascer uma onda boa, a energia surgir nas águas calmas.

— Lá vem ela — sussurrei.

Então nadei mar adentro, calculando o tempo, e fiquei em pé na prancha antes de deslizar sobre a onda e contorná-la, pegando velocidade para fazer uma manobra. Eu sabia que Jennie estava atrás de mim. Podia senti-la nas minhas costas, abrindo o caminho pela parede da onda. Feliz, olhei para ela por cima do ombro.

E, um segundo depois, ela tinha desaparecido.


𖹭

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Tudo o que nunca fomos  𑁯 𝐉𝐍𝐊 + 𝐊𝐓𝐇Where stories live. Discover now