17 - Consequências

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Assim que os policiais saíram do esconderijo, após verificarem que não havia mais ninguém além do garoto no local, Luan voltou para lá, pois nem se preocupava mais em ser encontrado.

Naqueles dias, o pesadelo que já era a vida de Luan tomou proporções avassaladoras com a voz incansável de Natã, insistentemente insuflando-o com sugestões terríveis: "Olhe como todos te observam, você é uma aberração aos olhos da sociedade... Sua mãe ficaria desapontada se soubesse o que você fez, é melhor que ela nunca mais te veja... Logo você vai definhar na jaula..."

Mais agonizante do que as próprias palavras era a energia que emanava de Natã, energia de puro ódio e desequilíbrio que o envolvia como correntes invisíveis, deixando-o à beira de um colapso.

No entanto, nada disso foi surpresa; Luan estava plenamente consciente das catastróficas consequências de suas ações e, como resultado, já havia traçado um plano: dar um fim à própria vida. Esta parecia a única saída sensata nesse buraco sem fundo.

Apesar do tormento, Luan se apegava à certeza de que tinha feito o correto ao devolver Ian à sua família. O arrependimento não o alcançou, nem por um momento, por essa decisão. Se uma vida precisasse ser ceifada, ele decidiu que seria a sua própria, recusando-se a se tornar um assassino; já não era suficiente ter se transformado em um sequestrador?

Tendo em mente seu plano, parou de responder Natã, fazendo de conta que este não estava ali, apesar de tudo o que ouvia e sentia.

Muitas vezes, pegou o vidro de remédio, aquele mesmo que havia colocado no doce de Ian, olhava pensando se já era a hora de executar o plano. Pensava também se seria melhor uma morte mais rápida, se jogando de um lugar bem alto, como daquelas torres de energia da cidade.

– Vai, Luan, toma logo isso que eu te encontro do lado de cá também! – zombava Natã, incentivando-o, apesar de que ele vivo lhe era mais útil.

Finalmente, naquela madrugada sombria do sexto dia após o resgate, Luan se sentiu preparado para seu ato final. A escuridão ao seu redor ecoava os abismos de sua própria alma, e Natã era a única testemunha, não havia nada, nem ninguém que o impedisse.

Certamente, aquele ser de alma perdida não faria falta a ninguém, ele seria até mesmo enterrado como indigente, pensou Luan com suas mãos trêmulas agarrando o frasco do líquido letal, como um último recurso para escapar da agonia. As trevas já estavam prontas para engoli-lo em abraços gélidos.

Mas então, em meio à penumbra, um lampejo brilhou, fraco porém perceptível. As lágrimas embaçavam seus olhos, mas mesmo assim ele fixou o olhar na pequena medalha de São Miguel que pendia em seu pescoço. Um objeto há muito esquecido pareceu ganhar vida na escuridão.

Aquela pequena medalha emanava uma luz própria, preenchendo o ambiente sombrio com um brilho reconfortante. E como se sua mãe estivesse ali ao seu lado, ele ouviu as palavras ecoarem em sua mente, repetindo o mesmo consolo que ela lhe dera quando colocou a corrente em seu pescoço: "Assim estarei mais perto de você! Siga seu caminho com São Miguel à frente, atrás, em cima, embaixo, à direita, à esquerda. Que São Miguel te proteja de todo mal!"

As palavras reconfortantes de Ester ressoaram em sua mente como um bálsamo em meio à tempestade que o assolava. Com um suspiro trêmulo, ele deixou o frasco com o líquido letal deslizar de suas mãos, enquanto agarrou a medalha de São Miguel com firmeza, como se fosse sua única âncora em um mar de desespero.

– Eu não sou um indigente, não preciso terminar assim. – sussurrou inaudível, reunindo suas últimas forças.

– Você vai ficar aí parecendo um fanático religioso segurando essa medalha? Isso é uma cena lamentável! – provocou Natã: – Realmente você chegou no fundo do poço.

– Eu não posso permitir que você continue controlando minha vida, Natanael. Por favor, me liberta! – suplicou, e prosseguiu: – Preciso recomeçar, nem que para isso eu tenha que passar um longo tempo na prisão.

– Você acha mesmo que vou deixar você impune, ainda mais depois da sua traição? – vociferou Natã com sua mais aparência transfigurada e demoníaca.

Mesmo apavorado, Luan tentou convencê-lo mais uma vez: – Natã, sei do seu poder, mas não tenho nada para te oferecer. Apenas me deixe seguir a minha vida e pagar pelo que fiz segundo a lei dos homens.

– A lei dos homens? Você acredita na lei dos homens? Além disso, você é que foi um estúpido, ignorante, pois você já estava livre. – rebateu Natã, raivoso.

– Eu não podia deixar o menino aqui largado para morrer! – argumentou Luan.

– Por que não? Isso não era da sua conta. Era um assunto meu!! – gritou Natã irredutível.

– Eu não quis te provocar, me perdoe. Apenas não consegui fazer isso com uma criança inocente! – implorou Luan se ajoelhando aos pés do obssessor, e insistiu:

– Por misericórdia, vamos parar com isso de uma vez por todas. Você também está sem paz, e eu só quero voltar para a casa da minha mãe e ficar ao lado dela enquanto espero a polícia me encontrar.

Natã, aumentando a sua ira, respondeu: - Você lembra que o Elohim cometeu um crime e até hoje está impune. E você vai ficar como um ratinho esperando dentro da armadilha. É muita fraqueza mesmo!

– Eu só quero paz, não quero mais nada além de paz. Não aguento mais viver assim! Só quero um acordo de paz com você também, eu te imploro!

Natã, se aproximando bem dos ouvidos de Luan, berrou: – Você vai se ver livre de mim quando o Elohim pagar o quanto ele merece! Arruma outro jeito de cumprir sua missão, já que você estragou tudo dessa vez!

Buscando um força e uma fé que sabia não possuir, Luan se agarrou na pequena medalha para conseguir dizer: – Não, não posso mais mesmo! Como você mesmo disse, sou um inútil. Não consigo mais te servir. Vou voltar para a casa da minha mãe hoje mesmo. – disse Luan observando que o dia estava amanhecendo e que ele não havia conseguido um minuto de descanso durante a noite.

– Luan, eu já controlei a sua mente várias vezes, não me desafie a fazer de novo. – ameaçou Natã, e prosseguiu com uma risada sarcástica: – Faça isso e será condenado pelo sequestro do Ian e pelo assassinato da sua amada mãezinha.

Luan estremeceu e viu o resto de suas forças acabarem, caindo todo largado no sofá, com os olhos estáticos em um ponto da parede que mirava quando conseguia enxergar através da figura fantasmagórica de Natã.

No entanto, enquanto Natã continuava num monólogo sem fim, um latido estridente ecoou do lado de fora da porta, quebrando aquela enorme tensão. Luan esbugalhou ainda mais seus olhos incrédulos, percebendo que era um latido que ele conhecia bem.

Em choque quando percebeu o que realmente estava acontecendo, correu cambaleante para a porta e a abriu abruptamente. Do lado de fora, o vira-lata caramelo correu para cima de Luan, pulando festivo em frenesi. Sim, era o amigo que Luan pensava ter perdido para sempre.


Casulo - Os ReencarnadosOnde histórias criam vida. Descubra agora