9 - O plano

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O peso do tempo se refletia nos olhares e no silêncio, quando finalmente Luan se lamentou com Natã: - Sempre que encontro a Dandá, ela desconversa quando pergunto sobre a família dela, como se desconfiasse do que agora sei... isso não está dando certo!

- Eu percebi... saiba que, mesmo quando você não me vê, eu te vejo. - disse Natã, deixando Luan intimidado e com a certeza de que precisava cumprir sua missão ou nunca encontraria paz. Natã insistiu: - Você vai ter que ir lá, não tem jeito. Afinal, não voltamos nesta cidade à toa.

- Ir na casa deles? - perguntou retoricamente, enquanto ajeitava sua cama de papelão no chão ao lado da igrejinha, e pensava o quanto era melhor poder deitar no sofá da lojinha.

- Sim! E se você não conseguir informações sobre o Elohim, vamos ter que partir para o plano alternativo!

- Não! Eu não posso fazer isso! De verdade, não posso! O problema é entre nós e o Elohim, não podemos machucar pessoas inocentes. - suplicou Luan.

- Ísis também era inocente! Não se esqueça que estamos do mesmo lado, lutando pela justiça! - retrucou Natã sempre com argumentos convincentes.

- Mas a criança não tem nada a ver com isso. Eu não posso sequestrar o menino!

- Não vamos fazer mal à criança, caro Luan. Ela só será uma moeda de troca: o menino em troca do Elohim

Luan sabia que não podia ir contra Natã ou sua vida voltaria a ser aquele inferno, então se aquietou buscando uma solução.

Dandá, como antigamente, passava pela pracinha e dava alimentos e outros itens a Luan, demonstrando um cuidado especial por aquele infeliz. Ele nem sabia o quanto a garota havia se preocupado e procurado por ele nos dias em que se ausentou. Dandá o procurou por toda a cidade, até mesmo nos hospitais e necrotérios.

Luan, mesmo notando o carinho e atenção de Dandá, se via numa situação realmente sem saída. Agora teria que ir até o fim!

Luan passou a rondar a casa daquela família diariamente, envolto em um jogo de gato e rato com Luke. Despistá-lo não era tarefa fácil, mas Luan se esforçava para evitar deixar pistas.

Então, em frente à casa da família de Dandá, Luan fazia sua ronda. Cada vez que os via reunidos e felizes, como toda família deveria ser, uma dor profunda se apossava de sua alma ao pensar na possibilidade pavorosa da execução de um sequestro.

Ainda assim, Luan não conseguia escapar do senso de urgência que o impelia a seguir em frente. Era uma batalha entre sua moralidade e sua busca desesperada pela libertação de Natã, que lhe trazia uma pergunta repetitiva: encontraria alguma redenção no final dessa jornada obscura, ou seria consumido pelas consequências de suas próprias ações?

A rotina da casa já era bem conhecida para Luan. Belle, a enfermeira, saía bem cedo para trabalhar, seguida logo após por Jasmim com o pequeno Ian. Em seguida, Tina, a zelosa governanta, chegava, e Dandá saía com sua mochila de estudante. Por volta das 4:30 da tarde, Tina buscava a criança na escola. Somente por volta das 7:30 da noite, ela ia embora, coincidindo com a chegada de Jasmim e Belle.

No entanto, Dandá quebrava a rotina. Às vezes, chegava bem tarde, ou bem cedo, ou nem saía... Essas pequenas variações na rotina da casa adicionavam um elemento imprevisível aos planos de Luan. Ele precisava observar atentamente essas mudanças.

Porém, seria muito fácil pegar a criança de apenas 5 anos, que sempre ficava brincando no quintal ao chegar da escola. A empregada só sentiria falta dele meia hora depois, quando o chamasse para o banho.

O plano seria muito simples: bastaria dar a ele um doce "recheado" com um produto que Luan conhecia bem como farmacêutico. Ian dormiria tranquilamente em seus braços, permitindo que ele o levasse de ônibus para longe dali sem levantar suspeitas.

E para concluir, bastará dizer que o preço do resgate é o Elohim; ele deve vir pessoalmente resgatar a criança. Nisso, será preso e sofrerá o suficiente para que Natã se vingue e fique em paz.

- Muito bem, Luan, vejo que está cuidando dos detalhes. Estou orgulhoso de você! - disse Natã, fazendo Luan sorrir.

- Até que não é tão difícil, não é mesmo, Natã? - falou com cumplicidade e intimidade, provocando um sorriso arrepiante no rosto de Natã.

- Não é mesmo! - concordou quase amigável, e concluiu com uma satisfação obscura: - E aquela loja abandonada é o cenário ideal para acabarmos com ELE!

Luan não pôde disfarçar um grande desconforto, mas apenas concluiu: - Não é só um bom esconderijo, mas também é bom poder dormir sob um teto nesse inverno congelante, não vejo a hora de voltar para lá.

- Tudo está conspirando a nosso favor. Você só precisa do dinheiro para o veneno e para a passagem de ônibus.

- Isso é fácil, posso conseguir com a Dandá, ela sempre me ajuda quando peço! - concluiu, sentindo-se satisfeito por estar no controle da situação, sendo que há tempos se sentia um inútil.

- Pois é, não seria irônico se a irmã adotiva ajudasse no sequestro? - Natã acrescentou com com um riso macabro.

A expressão de Luan se fechou ao pensar que trairia a confiança de Dandá, e logo Natã tentou mudar o pensamento do infeliz:

- Não se apegue a essa garota. Eu sei que ela fica enchendo sua cabeça, te fazendo acreditar que está preocupada com você e blá-blá-blá... Mas não caia nessas histórias. Isso é coisa de gente que quer mostrar o quanto é superior e cheia de bondade para com os menos favorecidos.
- Realmente, o mundo está cheio de gente "caridosa" que fica olhando para a gente com olhar de piedade. Detesto isso! Mas a Dandá parece ser gente boa! - concluiu Luan, incerto.

- Já viu os políticos nas campanhas? Todos têm cara de gente boa! São lobos em pele de cordeiro. - respondeu Natã enfaticamente.

Luan decidiu não retrucar mais, pois sabia que era melhor ter Natã como amigo. Mesmo que no fundo achasse que Dandá e até mesmo Jasmim fossem realmente pessoas do bem.

Durante muito tempo, Luan carregou consigo uma grande implicância em relação a Jasmim por não conseguir aceitar o relacionamento amoroso dela com a Ísis. No entanto, tudo mudou quando ele presenciou a dor do luto que Jasmim passou pela amada. Isso fez com que Luan deixasse as diferenças para trás. A única questão agora era que ela estava no lugar errado, na hora errada e era amiga da pessoa errada.

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Casulo - Os ReencarnadosOnde histórias criam vida. Descubra agora