20 - EU VEJO O COPO MEIO VAZIO SE ESTILHAÇAR NO CHÃO

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Eu e Indio vestimos a roupa um do outro e, como fazia um frio de inverno naquela noite, aquilo confundiu os guardas, em especial, Aspique Tinique. Não demorou pra eu conseguir sair do castelo, me misturando a multidão de entrevistadores que ainda estava metendo o pé dali.

Nessa zona, eu quase perdi papai de vista, mas logo notei que era ele que parecia querer despistar quem quer que o seguisse. Hared deu um rolê pela cidade, passou por um restaurante, uma sala de jogos, a praça pública pra só então mergulhar na floresta. Eu comecei a pensar que tinha sido uma péssima ideia segui-lo, que eu podia estar me metendo em algo perigoso. Se Hared tivesse ido encontrar uma namorada, ela tinha lhe dado um bolo daqueles e ele devia estar indo chorar num lugar que não dava pra ver. Cara, eu andei tanto que consegui suar, apesar de um frio de bater os dentes.

Para além daquela árvore, uma floresta escura se estendia. Quase não dava pra ver nada, a não ser pela luz da lua cheia iluminando como um lampião. E tinha a névoa espessa forrando a floresta. A pior parte era os mosquitinhos zumbindo acima de mim. Olhei para frente. A floresta descia como uma colina. Lá no fundo, o vulto encapuzado se moveu. Tirei o capuz, respirei fundo e me atirei ladeira abaixo. O primeiro pensamento foi: se meu pai me pegar, vou ser morto na fogueira. Mas sacudi a cabeça e o pensamento desmanchou. 

Quando eu atravessei um bom pedaço de terra, já estava ofegante. Onde meu pai estava indo? Será que aquilo tinha relação com ele parecer estranho e ter ficado meloso comigo mais cedo? O que aconteceu naquela bendita viagem? Eu precisava descobrir. 

De repente, apertei o freio e quase caí pra frente. Meu pai havia parado numa clareira. Foi então que eu me escondi devagarinho atrás de uma árvore e desabei em suas raízes. Se eu desse um pio, seria descoberto. Pus a mão no coração. Estava a mil por hora. Eu devia ter ficado no castelo. Agora se eu morresse Indio ia herdar minha cama, ia ficar lá pulando divo e pleno como num pula pula.

Nessa hora, ouvi um barulho e virei lentamente a cabeça pra dar uma espiada. Foi aí que eu tive uma surpresa. Não era apenas Hared que estava ali. Ele não tinha ido encontrar a morena dele. 

Era o moreno. 

Surgindo da escuridão, mais três vultos encapuzados se juntaram a ele. Pele irrugada e cabelo cinzento. O que estava acontecendo ali?

— Hared. — um ancião tirou o capuz. — Mais meia hora e voltaríamos para o navio.

— Desculpe o contratempo, senhores. Eu jamais faltaria essa reunião. Preciso saber daquela pendência que não me foi apresentada na viagem.

— Sim, Hared, compreendo sua ansiedade. Mas, antes disso, — o ancião olhou as árvores ao redor. — o senhor tem certeza que esse lugar é seguro?

— Eu criei um cordão de isolamento neste lugar com uma técnica kyoche. Ninguém se atreverá a vir aqui, pode ficar tranquilo. 

Espera aí, se meu pai fez isso, então como eu pude chegar tão perto? Pensei em me aproximar do grupo, dar umas cutucadas no ombro do ancião e metralhar ele de perguntas, mas quem ia ser metralhado era eu.

— Que bom que as providências necessárias foram tomadas. É importante que ninguém saiba deste encontro. As informações são secretas e qualquer vazamento será considerado traição. A elaboração do plano foi finalmente concluída e precisamos entregá-lo ao senhor, rei do planeta kyoche.

Meu pai resolveu ir direto ao ponto.

— Tá, eu sei. Os trinos querem uma aliança. Ok. E daí? 

Os trinos? Aquilo era mais sério do que eu imaginei. Naquela hora, eu rezei para que meu suor não fosse tão fedorento a ponto de ser notado por eles. Eu ainda não tive oportunidade de apresentar os trinos a vocês, terráqueos. Mas o poder deles está relacionado ao olfato. Esse nome, no dialeto deles, significa cheiro, perfume, nariz ou olfato do oceano, dependendo do contexto. 

Anjo das ÁguasWhere stories live. Discover now