26 - O RIO PARDO ODEIA VISITAS

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Quando abri os olhos, senti a umidade invadindo cada centímetro da minha pele. Meus músculos relaxavam à medida que o tempo passava naquela água aquecida.

De início, senti dificuldade de ouvir. Meu ouvido parecia entupido e as bolhas de correntes da agitação tornavam impossível enxergar o que estava ao meu redor. Dava apenas para distinguir filetes de água de cores diferentes ondulando para lá e para cá.

O azul cruzava o amarelo e espiralava, o verde serpenteava, mas cada cor tinha o seu lugar e não se misturavam assim como água e óleo. No entanto, o desespero veio em seguida.

A sensação de agonia passava a ser sufocante. Depois de um minuto debaixo d'água, meu primeiro impulso foi nadar até a superfície para pegar ar. Só que a mão no meu tornozelo ainda me pressionava para o fundo. Eu até me debati desesperadamente tentando me desvencilhar, mas sem sucesso.

Meus pulmões acenderam o alerta vermelho. Meu cérebro implorava por oxigênio. Meus olhos pediam socorro. Contudo, Raphael continuava mergulhando com seus pés de pato deslizando suavemente para lá e para cá. Uma tontura começou a tomar conta de mim e eu não consegui conter mais a respiração. As águas do Pardo invadiram minhas narinas e eu desmaiei.

Ao abrir os olhos, eu ainda estava em movimento dentro da água. Mas eu não me sentia afogado. Pelo contrário. De algum modo, ela circulava como se fosse ar. Ao perceber isso, ofeguei puxando toda a água que consegui enquanto recuperava o fôlego. Quando minha mente ficou mais lúcida, eu consegui ver filetes de água azul e branca fluindo das asas de Raphael em direção ao meu nariz. Ele estava produzindo alguma espécie de h2o respirável ou fosse lá o elemento químico do qual eram formadas as águas do rio.

Quando entendi aquilo, experimentei falar. Me senti uma criança dando os primeiros passos no mundo inexplorado

— Raphael — uma fábrica de bolhas escapou da minha boca a cada som que saía dela. — Para de me puxar, eu consigo nadar sozinho.

Além disso percebi o eco das minhas palavras finais voltando. Confesso que em outras circunstâncias eu adoraria ser carregado, mas não pelo pé, obviamente.

Em seguida, o estranho foi que Raphael não respondeu. O anjo permaneceu em silêncio e eu desconfiei da eficácia da comunicação subaquática. Aquela altura já havíamos percorrido quilômetros e estávamos distantes do local por onde eu entrei no rio. No entanto, havia algo grave acontecendo. Agucei meus olhos e vislumbrei o rosto de Raphael numa expressão séria, firme e preocupada. Suas sobrancelhas estavam curvadas e seu lábio tremia.

— Raphael, você...
— Iogo, faz silêncio! — o anjo me cortou — se não eu não vou conseguir ouvir. Estamos nos aproximando.
— Nos aproximando da onde?
— Iogo, cala a boca. Eu detectei mais alguém se aproximando das margens dorio.

"Será que eu fui seguido?", pensei. Foi então que Raphael parou e olhou para cima como se esperasse o ataque de um arpão vindo de um caçador na superfície. O anjo até fechou os olhos concentrando-se em um alvo desconhecido. Um silêncio se seguiu até que vozes estranhas se tornaram audíveis.

— Tem certeza que aqui? — disse a primeira.

Em seguida, ouviu-se um arrasta-arrasta, gemidos de gente pegando peso, motores rugindo.

— Óbvio — o tom era de impaciência. — O rei não teria outra razão para proibir o rio.

Aqueles homens das margens do Pardo pareciam portar máquinas.

— É claro que Hared esconde tesouros aqui. Diz a lenda kyoche que a herança de Albedo desapareceu misteriosamente quando Hared sentou no trono. Tenho certeza que encontraremos.

— E o que faremos depois de encontrar a herança de Albedo?

Uma risada se ouviu.

— Por mim a missão estará concluída.

Naquele momento, os sons da superfície ficaram distantes, o anjo desfez sua concentração e se virou para mim.

— Iogo — ele segurou meus ombros e os sacudiu. — Esses homens estão cometendo um erro. O pior erro da vida deles!

Anjo das ÁguasWo Geschichten leben. Entdecke jetzt