9 - HISTÓRIAS PARA BOIS E KYOCHES DORMIREM

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Quando nós chegamos ao centro do campo, todos já estavam sentados em círculo,umas cem crianças e adultos e o treinador começava a tagarelar. Tomara que aquela palestra não durasse a noite toda que nem da outra vez, senão meu teto hoje seria as estrelas. 

No entanto, eu tinha a sensação de que Amundos estava agindo diferente das outras vezes. A primeira coisa que eu estranhei foi ele estar com um microfone minúsculo preso à camisa. Pra vocês talvez aquilo passasse despercebido, mas os kyoches tinham a habilidade de ter uma extensão vocal muito ampla desde nascença, apesar de que usá-la toda hora gastava muita energia. 

Será que Amundos queria economizar para algum ataque inesperado? Ou será ele estava resfriado ou com pneumonia? Essa última possibilidade, acho que é menos provável, porque ele não estava rouco, nem tossia, nem nada. Só que as coisas estranhas não pararam por aí. 

Eu notei ainda que um saco passava de mão em mão e dali cada aluno tirava uma concha. A maioria dos aprendizes estavam com cara de sono e uns cutucavam os outros para se manterem acordados. Até Indio estava ameaçando desabar no meu ombro. Eu estreitei os olhos. O que estava acontecendo ali? Isso que dá pegar o bonde andando. Aliás, acho que eu só tentei pegar, porque o bonde me atropelou sem dó nem piedade. Ele não ia falar sobre a guerra, por que estava distribuindo conchas para nós?

Ao escutarem o barulho dos nossos passos se intensificando, quase todos os campistas acordaram e olharam para trás. Só que o animal aqui continuou em pé, paradão. Só sentei a bunda no chão quando Patagona passou o saco pra mim, com um olhar de que ia me fazer de saco de pancadas. Eu pensei em dizer umas poucas e boas pra ela, mas agora eu precisava prestar atenção a Amundos porque não estava entendendo bulhufas. 

O treinador chacoalhou o objeto, tentando obter audiência, e, então, explicou: 

— Antes de tudo, essa concha será a salvação de vocês a partir daqui. O treinamentovai para outro nível a partir de agora.

— Ok. — alguém comentou. 

— Mas o que isso faz?

— Isso aqui grava a voz, emite e se comunica com outras conchas conectadas por ondas eletromagnéticas, os chamados conchegos.

Eu conhecia os conchegos. Eu já havia tido uma aula de música no castelo e oinstrutor me fez gravar o áudio da minha voz na concha. Acho que era chamada assim porque as conchas estavam aconchegadas umas nas outras. Tá, parei com a brincadeira.

Mas você tinha que ver os olhos dos aprendizes. Eles brilharam assim que viram a concha. Meus colegas não eram capazes de lidar com tamanha tecnologia. Não dá pra culpá-los. O último aparelho que tinha sido apresentado a eles era o conpeido, que só ligava, peidava e desligava.

Apesar de vocês, terráqueos, considerarem isso uma coisa simplória, para nós, era uma modernidade só e, mais ainda, tudo que precisávamos para ser mais fortes.

— Vocês vão poder treinar durante a pausa que teremos no treino, gravando a voz em casa para invocação e comunicação com seus coleguinhas. Os poderes que vocês podem adquirir com os conchegos é inimaginável. Não desperdicem essa chance. Funciona assim.

Eu deixaria Amundos explicar, mas quero a parte da guerra logo, então deixa eu clarear suas ideias, terráqueo. Para cada aparelho, há um código, tipo uma palavra mágica. No meu caso, é "hared". Toda vez que alguém fala "hared", abre uma conversa comigo no conchego.

Assim que você escolhe um padrão sonoro, ele fica barrado para qualquer outro conchego daquela coleção. Para gravar voz, existe um outro código e, com isso, podemos até gravar vozes de kyoches mais experientes para invocar bichos raros. Havia alguns na memória do aparelho e o manual de instruções nos dizia quais eram os códigos. Depois disso, Amundos pôs as cartas na mesa.

Anjo das ÁguasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora