⁰⁶ || Estou lutando para sobreviver

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      Suspirei profundamente, permitindo que o eco de seus lamentos alcançassem meus ouvidos através da porta

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      Suspirei profundamente, permitindo que o eco de seus lamentos alcançassem meus ouvidos através da porta. No entanto, nenhum resquício de afeto, compaixão ou simpatia lhe daria. A simples visão daquela fisionomia, daquela figura maldita, tinha o poder de convocar à tona os mais sombrios recantos de minha alma. Ainda que lágrimas infindáveis fossem derramadas, ainda que seu coração fosse esmagado, eu permaneceria impassível deste lado, como um espectro, escutando-a sufocar em seu próprio abismo de tormentos.

     Alguns devem perecer para que outros possam florescer, e seu autoimposto infortúnio, como uma semente negra, germinava a promessa de minha redenção, a qual eu não estava disposto.

   — Senhor? — Ela surgiu, tão silenciosa quanto uma borboleta em voo. Atravessei o corredor em direção ao meu quarto, enquanto ela me seguia como uma sombra. Assim que entramos, ouvi o estalo da porta sendo fechada. Enquanto eu removia minhas luvas, pude sentir sua inquietação irritante pairando no ar. Ela mantinha as mãos esticadas na frente do corpo, cruzadas uma sobre a outra, imóvel como uma estátua, seu coração parecia tão tranquilo quanto o de um cadáver em repouso. No entanto, seus olhos eram a verdadeira fonte de perturbação, fixados em minhas costas com uma intensidade sufocante. Retirei o sobretudo.

   — Tem algo que queira dizer? — Ela assentiu. — Então diga. — Antes que decidisse passar toda uma manhã como uma figura de mármore duro em meu quarto, a encorajei, sabendo que só ousaria falar quando fosse permitido.

   — Estás mesmo certo de tudo isto? — Questionou. Então era disso que se tratava?
Arrependido por ter-lá deixado começar, respirei fundo. Por que não estaria? Ela ainda esperava que eu desistisse depois de todo esse tempo à procura, justamente quando encontrei? Caminhei até o espelho, e retirei devagar a camisa, revelando outra vez minha miséria estampada sobre o peito.

   — E o que seria tudo "isto" a qual se refere? — Concentrei em sua imagem refletida no vidro. Bastava um olhar para que todos os outros desejassem se enfiar dentro de si mesmo, apavorados. Mas, Amaia não era como os outros. Acredite, já a ameacei só para ter certeza do que estava ao meu lado e nunca ouvi seu coração acelerar, seu corpo tremer, ou seus olhos se desviarem. Intrigante, sua lealdade não partia do medo, e sim, da gratidão.

   — Perde-te por uma mera humana. O quão vale este risco? — Eu não esperava que uma orja soubesse o quanto aquilo valia, já que seu único destino era nascer para nos servir. Isenta de suas escolhas.

   — Risco? — Desdenhei com um simples riso. — O que a perturbar tanto a ponto de questionar os meus planos? — Virei-me para ela e caminhei em sua direção. Seus lindos e longos cabelos brancos sempre cheiravam a damascos, era agradavelmente manso inspirar aquele perfume. — Por que é tão teimosa, Amaia? Você ainda se lembra onde sua língua a levou? — Segurei seu queixo entre meus dedos retirando poucas mechas de cabelos que cobriam seu rosto.

   — Certamente, meu senhor. Sou eternamente grata por toda tua compaixão. Mas, devo expressar que, mesmo diante de tanto zelo, não posso deixar de afirmar que considero esta ação incorreta. — Cada palavra sem uma única vez desviar aqueles belos olhos fisgados contra os meus. Em uma outra casa teriam os mesmos furados, sua língua partida e talvez nem lábios lhe restassem, mas por que punir a coragem? Por que punir a honestidade a qual muito nos faltava ao redor? Acariciei sua velha bochecha ainda rosada depois de tanto tempo.

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