SAINDO DO CONTROLE

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Por não sermos seres afetivos,  obviamente vivemos, ou pela violência ou pela razão,  prevalecendo essa última. Não por acaso, as emoções humanas são assunto recorrente em nossas rodas de conversa.  É simplesmente inconcebível que na mesma medida que eles dizem "amar" também sejam capaz de "odiar" e transitam entre isso como se não fosse nada demais.

Em termos de comparação,  não se parece em nada com meu povo. Eu poderia dizer que sim, quando usamos da violência na defesa de nós mesmos, mas é uma ação que tem um fim em si mesma. Não acontece sobre a desculpa de um sentimento nutrido ocultamente,  é algo pontual e tão logo o motivo que nos leva ao estado de barbárie é aniquilado, seguimos sendo aquilo que sempre fomos: pacíficos.

A morte do outro não nos causa qualquer sentimento de prazer ou repulsa.  É simples,  é limpo! Eu ouso afirmar: respeitoso,  inclusive.  Nesse sentido,  nossas ações são consideradas animalescas ou instintivas para quem as ver ao longe, mas sigo dizendo,  são apenas defensivas. Não há qualquer agravo depois disso. Já os humanos,  nutrem sentimentos nocivos que os deixam sempre em "estado" de barbárie,  sempre prontos para destruir tudo à sua volta. A busca por poder não conhece quaisquer limites e seus semelhantes são apenas pedras sobrepostas, pelas quais sobem sem qualquer respeito, até que seus fins sejam alcançados. São seres que têm tudo e ao mesmo tempo,  nada possuem.

— Vai ficar aí parado?! — Saio dos meus pensamentos ao ouvi-la me censurar. Ela odeia plateia enquanto trabalha e mesmo eu sendo seu superior, não teria qualquer problema de me chutar para fora desta sala como se fosse um qualquer.

Dou uma última olhada na fêmea sobre seus cuidados.  O implante jaz numa bandeja prateada e envolto no que eles chamam de sangue. Seu corpo nu está pálido e sem vida. A única coisa que sinaliza que ainda há um sopro de existência em seu corpo, são as projeções holográficas de seus sinais vitais. As sinapses de seu cérebro parecem desordenadas, ainda assim fáceis de contornar. No restante do seu corpo, está ocorrendo a falência de múltiplos órgãos.

— Permita-me ficar aqui! — O pedido dispara para fora dos meus lábios, como um navio desgovernado, antes mesmo que eu pondere sobre o porquê dessa necessidade de ficar.

— O que disse?! — a fêmea me lança um olhar fugaz, mas cheio de significado.

É certo que ouviu cada palavra que proferi, contudo deve ter lhe parecido um pedido tão fora dos protocolos que lhe causa estranheza.

— Não irei atrapalhar! — é a minha resposta. Ela se detém um breve segundo, talvez ponderando o significado desse pedido inusitado. — Sinto-me responsável pelo que está acontecendo a ela. — completo e recebo apenas um aceno por resposta,  enquanto ela aponta a roupa de proteção e materiais esterelizantes.

Já é o auge que me seja permitido ficar, então não irei aborrecê-la negando-me adequar aos seus rituais de trabalho. Após cumprir essa mera formalidade de limpeza e vestir a bata, aproximo-me do leito e de todas as parafernálias que o rodeiam. Observo-a pegar um pequeno cilindro de contenção,  abri-lo e derramar o conteúdo sobre o rosto da humana. O aparente líquido escorre, buscando suas fendas mais próximas,  por onde possa invadir seu corpo. Para olhos leigos, é apenas um líquido,  contudo se trata de "Quecto Tecnologia".

Enquanto as grandes potências planetárias possuem poder sobre a IOCTO, tecnologia de destruição planetárias e civilizações inteiras, nós dispúnhamos dos Quectos robôs usados para salvar vidas.
A "inteligência" flui para as cavidades de seus olhos, ouvidos, narinas e boca, até desaparecer de sua pele. O primeiro passo é a limpeza. Eles "limparão" tudo em seu caminho que identificarem como nocivo e reconstruirão do zero. Através das projeções holográficas,  conseguimos ver onde estão se concentrando. Nesse momento,  estão reconstruindo o coração e migrando para os órgãos adjacentes.

— Ela está sentindo dor?! — pergunto mesmo notando sua expressão serena.

— Agora isso te preocupa?! — Duvido que ela queira realmente resposta — É impossível! Ela está em animação suspensa, não pode sentir nada. — explica sem tirar os olhos dos monitores.

Alguns minutos depois os Quectos têm feito todo o caminho interno e fluem para fora através da cicatriz em seu ventre, que eles chamam de umbigo. Agora tomam uma proporção maior, cobrindo cada centímetro de sua pele, fluindo, inclusive, para o canal entre suas pernas.

— O que está fazendo?! — Questiono intrigado.

— Melhorias! Não me disse para lhe dar um bônus?! — vejo o exato momento que a cicatriz em sua perna desaparece sob influência da tecnologia.

Assim que Caelestis dá o serviço por encerrado, seus dedos acionam uma área vermelha em seu monitor portátil e os Quectos evaporam. Após usados, eles não têm mais serventia, o que os torna um bem de valor exorbitante e que não podem ser usados frivolamente. Se não fosse sua simpatia pela raça humana, minha irmã jamais teria lançado mão de algo tão precioso para salvar a Lúcia.

Hum! Estranho como esse nome reverbera em minha mente, como numa dança suave e constante. Será que estou perdendo o controle?! O que isso significa realmente?!

A VERDADE ESTÁ LÁ FORA Where stories live. Discover now