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O frio de junho não é a coisa mais gostosa e reconfortante de sentir. É de certa forma,exageradamente dramático,e coisas dramáticas por mais que combinem comigo, é a melhor forma de me irritar.

Respirar fundo e encarar o teto. Meu ritual de todas as manhãs,refletir várias e várias vezes se devo,ou não levantar e fazer parte do resto do mundo,é sempre um dilema pra mim. Por que não só ficar aqui e aproveitar a minha melancólica melancolia sem estresses ou interrupções?

As batidas incessantes na porta do meu quarto me obrigam a sair do meu precioso momento de auto depreciação. Me obriguei a olhar em direção a porta onde tia Sasha sorria amigavelmente pra mim. Embora meu pensamento esteja focado no fato de ainda ser 06hrs da manhã,e que não tem como alguém sorrir as 06hrs da manhã em plena segunda feira de Junho,eu ainda sim,sorrio de volta relutante.

Ela parece aceitar meu sorriso como um "Entre e perturbe a minha paz",por que foi exatamente isso que ela fez. Se sentou ao meu lado e olhou alguns longos instantes para a caneca do pikachu que segurava em mãos,quando finalmente teve a coragem de perguntar se eu havia dormido bem. Eu apenas balancei a cabeça em concordância,enquanto olhava o tempo nublado lá fora.

-Precisa sair da cama.-ela murmurou,tentando não ser 100% grossa, porém grossa o suficiente pra fazer eu me tocar.
Eu não a olhei,muito menos a respondi. Deixei o silêncio constrangedor dominar aquela conversa que nem ao menos havia começado. Ela suspirou pesado e me ofereceu a caneca. Ao me sentar na cama peguei a mesma,observando a fumaça do chocolate quente dançar por dentro da caneca.

-Já faz um ano que você está assim Bruna,e isso está me quebrando por dentro.-mesmo sem a olhar,consegui notar a voz embargada da morena.
Eu não iria conseguir lidar,escuto a Tia Sasha chorar todos dias desde que vim morar com ela,e hoje eu não estava muito afim.

-O que quer que eu faça,Tia Sasha? Eu tô fazendo o que posso,eu tô fazendo terapia,tô jantando com você e a sua família sempre que posso..-me pronunciei cansada.

-Nao é a "minha família" Bruna. É a nossa família.-ela pegou em meu braço tentando passar algum tipo de conforto,porém eu sabia que não era verdade. Minha família estava morta. Tia Sasha não nos visitava e sempre ficávamos sabendo pela vovó que ela falava mal da minha mãe.
Ao fechar meus olhos respirei o mais fundo que pude tentando me manter o mais calma possível.

-Tenho que ir pra faculdade. Você pode me dar licença?-comentei sem esperar nenhuma resposta,me levantando e indo em direção ao banheiro.
Escutei alguns murmúrios da parte dela,porém não estava nem um pouco preocupada em saber o que era. Me despi e entrei em baixo da água exageradamente gelada que eu amava.

Ao terminar o meu banho,encarei o meu reflexo no espelho,passei os dedos embaixo dos olhos,e resmunguei quando vi algumas pequenas espinhas pela minha testa. Bufei,e briguei comigo mesma pelo descuido.
Me arrumei pra faculdade com roupas largas e confortaveis. Dei uma leve ajeitada no cabelo que me implorava um corte,peguei o material que iria precisar e sai do meu quarto afim de sair daquela casa o mais rápido possível,o que não deu lá muito certo. Pois escutei a tosse forçada da minha queridissima prima Anna atrás de mim.

-Ja tá indo pra faculdade Prima?-ela arqueou as sobrancelhas em total deboche-Esta tão cedo. Que tal você aproveitar e dar uma carona pra mim,hein?-adicionou um sorriso feio no rosto e puff,nem precisei pagar pra assistir A Freira 2.

-Sua mãe deu permissão pra você sair Anna querida?-rebati no mesmo tom.
Assim que ela pensou em abrir a boca pra responder,Tio Carlos gritou do andar de cima

-Nem pense em sair Anna! Você ainda está de castigo por ter quebrado meu carro! Graças a sua prima Bruna que soube arrumar a merda que você fez,você não está morta agora.-

A raiva da garota foi tão grande,que eu preferi ignorar os gritos histéricos da minha prima adolescente cheia de hormônios,pegar a chave da minha linda moto e sair dali o mais rápido possível.
Meu pai havia me dado minha bebê quando eu tinha 18 anos. Ele ralou muito pra comprar a moto dos meus sonhos.
Meus olhos insistiram em querer deixar uma ou duas lágrimas caírem quando me lembrei do sorriso orgulho do meu pai,Limpei as mesmas e me concentrei em dirigir. Afinal,não posso deixar o legado dos meus pais nas mãos dos irresponsaveis do restante da família.

Minha faculdade era meu refúgio desde que o acidente aconteceu,ver aquelas inúmeras janelas,e todos aqueles jovens adultos que estavam ali batalhando por seus sonhos-pelo menos quaaasee todos.
Sentir o cheiro da grama e ouvir os mini-gritos dos calouros animados para perderem suas almas com trabalhos e muitos,muitos,muitos estágios obrigatórios.
Como é boa a vida do universitário.

Adentrei no imenso lugar reconhecendo alguns rostos,o começo do ano era sempre muito movimentado. Novas amizades,professores fingindo serem amiguinho dos alunos,veteranos fingindo amizade para enganar os calouros,coisas normais.
Perdida em meus pensamentos,quase não notei meus dois melhores amigos em minha frente com os semblantes confusos.

Luke era o típico atleta norte-americano e olha que estamos no Brasil. Loirinho,bronzeado,porte relativamente atlético,sorrisinho de canto e um histórico péssimo com garotas. Você olha para esse menininho com cara de quem parte milhares de corações todos os dias e mal imagina que daqui a pouco,ele vai dar conselhos para pessoas que estão prestes a ir de arrasta pra cima. Luke estava quase terminando seus estudos em psicologia,era fascinado pela mente humana e qualquer coisa que estivesse ligada com reações químicas no nosso cérebro. Falei milhares de vezes pra ele fazer medicina e virar um neurologista,porém o único argumento que ele defende a 7 anos é que ele tem nojinho de sangue,porém, é o cara mais viciado em filmes de terror que conheço,vai entender.

E ao seu lado temos minha querida e maravilhosa Mônica. Seu cabelo cacheado cheio e radioativamente verde atraiam a atenção de qualquer um que passasse por ela. Sua pele morena com uma maquiagem perfeitamente intacta brilhava assim como seus acessórios,brincos,colares,pulseiras,anéis,nada parecia exagerado nela. Parecia combinar perfeitamente com sua essência. O look que desenhava perfeitamente o corpo dela atraia olhares, entretanto não se engane com a "patricinha" que acabei de descrever:

-Sua grandíssima filha da p#ta,qual é seu problema?-Mônica disse com seu jeito Mônica de ser.

-Bom dia Nica-sorri enquanto piscava pro Luke,que me oferecia um copão de café do Star Bucks.-Bom dia Luke.-
O mesmo apenas sorriu,e olhou para a garota estressada ao lado dele com aqueles olhinhos de cachorro que caiu da mudança. Qual é,como que ele é o único que não percebe que a Mônica é lésbica,só não tem coragem pra sair do armário.

-Bom dia nada garota. Tipo,eu te mandei milhares de mensagens só hoje!-ela cruzava os braços,como uma criança mimada.

-Você me mandou uma mensagem Nica. E foi só um emoji de desconfiado,sabe,aquele da sombrancelha arqueada-apontei pro meu próprio rosto tentando imitar o emoticon e falhando miseravelmente.

-Acho que isso não importa muito pra Mônica,ela só fala direito com os contatinhos dela.-murmurou o Loirinho revoltado.

-Nica. Supera. Eu tenho vida-ela riu até mais que eu da minha própria fala.
Eu e ela sabíamos que minha vida era resumida em tentar não me matar por causa das cargas horárias exaustivas da faculdade.

-Falando em vida. Não era pra você estar de plantão hoje?-ela comentou enquanto me guiava pelo corredor.

-Cara,não. Hoje tem aquela palestra super importante daquele médico famoso não sei das quantas e eu vim assistir por que preciso de pelo menos 5horas de paz.-passei as mãos no rosto

-Cara,você tem que parar de uma viciada em trabalho com complexo de Deus.-Luke ria do meu desespero.

-Sou uma futura cirurgiã cara. É claro que eu tenho um complexo de Deus.-sorri e tivemos que encerrar a conversa ao adentrar na sala.

Cartas Para Uma Traficante Where stories live. Discover now