Capítulo Dez

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Assim que retorna ao casarão com Francisco a segurando firme pelo braço, Cecília o espera ordenar, ácido, baixinho:

— Ao fim da noite conversamos, agora some da minha frente.

Para obedecê-lo prontamente. Não porque ainda tenha algum respeito por ele ou por suas ordens, e sim porque não o suporta mais. Está farta.

É com os olhos de todos os convidados sobre si que sobe os degraus, apressada, rumo ao próprio quarto.

Quando o alcança e se vê no reflexo do espelho, engole o choro. Tem vontade de revirar tudo de ponta cabeça, gritar, rasgar as vestes e inclusive bater a própria cabeça na parede. Porém, não tem tempo para isso.

Então, por instinto, se livra do vestido longo e opta por um mais confortável. Rapidamente prende o cabelo em uma trança raiz e calça suas botas de cavalgar.

O primeiro lugar em que passa é o quarto de Edgar. Na escrivaninha do irmão, encontra papel e tinta. A mensagem que deixa é simples:

"Diga ao barão que ele e o casamento estão acabados.

Vou para onde posso ter paz, para onde ninguém possa me encontrar.

Seja feliz, meu irmão."

Depois disso, caminha apressada em direção à cozinha e, após pegar um dos sacos de tecido, reúne dentro dele a maior quantidade de frutas e pães que consegue, bem como uma quantia considerável de cenouras para seu cavalo. Nisso, prende-o rente ao corpo, seguindo rumo ao celeiro.

O casarão continua em festa, portanto passa despercebida. Aliás, já está para montar em seu fiel companheiro, pronta para partir para longe, quando a mão calejada segura seu pulso. Cecília não precisa nem se virar para saber de quem se trata, mas mesmo assim acaba buscando pelas íris azuis dele, encontrando-as confusas sobre si.

— O que pensas que estás fazendo, burguesinha?

— O que parece que estou fazendo?

— Uma loucura.

— Pois bem, chames do que quiser — responde, afastando-se do toque do rapaz.

Ceci volta a conduzir o cavalo rumo à estrada afastada da principal, onde as carruagens estão dispostas. Contudo, mal alcança o portal e Dante está de novo na sua frente, com as mãos estendidas.

— Cecília, por favor, o que está acontecendo?

— Nada. Só vou dar uma volta.

— É tarde da noite!

— Não vejo problema.

— É perigoso.

— Mais perigoso do que minha própria casa se tornou? — retruca, exaltando-se. — Sai logo da minha frente, Dante!

Ele não deixa de encará-la e, impassível, Cecília continua olhando-o de volta. Firme, decidida. Irá partir e nada, nem ninguém, a impedirá disso.

A voz firme dele corta o silêncio:

— Certo. Vou contigo.

Cecília engasga com o ar.

— O quê?

— Vamos dar uma volta, então.

— Não pedi companhia!

— E eu não preciso de um pedido para acompanhá-la, sem mim, não sairás daqui esta noite, burguesinha.

— Por que diabos estás te metendo onde não foi chamado? — ela bate o pé. — Não vais a lugar nenhum comigo, Dante!

— Se eu não for, tu também não vais.

— Não mandas em mim.

— E nem tu em mim. Vou contigo, já disse — ele devolve, dando um passo à frente, olhando-a de cima.

Ceci engole em seco, o cheiro do rapaz está próximo demais, aliás, ele todo. É desconcertante. Ela dá um passo para trás, limpa a garganta e afirma:

— Não sabes no que estas se metendo.

— Tenho escolha?

— Ora, claro que tens! Ninguém está te forçando a coisa alguma.

— Certo, e pretendes mudar de ideia e deixar de ir embora?

— Não.

— Então não tenho escolha — pontua simplesmente, calçando as próprias botas e pegando um casaco pesado. Hesita por um instante, abre o baú no canto do celeiro e agarra outro casaco, jogando-o bem no meio da fuça dela.

Ei!

— Faz frio na mata.

Cecília acaba assentindo e veste a peça de roupa. Depois o observa ajustar a sela e toda a tralha no próprio cavalo. Assim como o vê encher duas garrafas de água. Quando o rapaz está outra vez ao seu lado, encarando-a, uma sensação desconhecida se instala no mais íntimo do seu ser, fazendo-a corar. Ele arqueia a sobrancelha e pergunta:

— O que foi?

— Por que estás fazendo isso?

— O que deveria fazer? Deixá-la ir sozinha? — dá de ombros. — De qualquer forma, o barão me colocaria atrás de ti, junto com os demais.

— Assim não estarias tão enrascado...

— Mas também não teria paz.

Cecília engole em seco pela segunda vez em minutos, digerindo o que foi dito por ele. Ela se aproxima e toca as mãos dele com a ponta dos dedos. Num sussurro, confessa:

— Não é só uma volta, Dante, eu não pretendo voltar.

Ele a encara firme, então assente.

— Eu sabia desde o momento em que chegou aqui.

Huh?

— Nunca vi seus olhos, normalmente impetuosos, tão vazios.

A moça morde os lábios, tentando reprimir o choro, mas é tarde demais. As lágrimas deixam rastros amargos em seu rosto e, no mesmo instante, o rapaz a aconchega nos braços.

— O que estás fazendo? — ela soluça, ainda imóvel.

Shhh, burguesinha. Apenas aceite o que mais precisa neste momento — e Cecília não sabe se é porque está deveras vulnerável e cansada, ou se é devido ao tom estranhamente doce que ele usa, mas o obedece. E acaba chorando por longos minutos nos braços do rapaz, abraçando-o firme, enquanto que o tem acariciando suas madeixas.

Quando ela se afasta, com os olhos inchados e a ponta do nariz num tom rosado, Dante não consegue deixar de sorrir. É a única pessoa que conhece que mesmo chorando continua linda. Ele balança a cabeça, livrando-se do pensamento.

— Estás pronta para ir?

Cecília assente. E, diferentemente de como planejara, não é sozinha que deixa o casarão para trás, mas na companhia de seu desafeto favorito. Se é que ainda pode rotulá-lo assim.



Filhos do Ouro Preto (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now