Capítulo Sete

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A primeira coisa que Cecília faz assim que abre os olhos é levar um susto. Na outra extremidade da cama, Francisco a mira diretamente e ela é obrigada a piscar algumas vezes até firmar a vista e então encarar o pai de volta. Eles permanecem assim por um tempo, até que ele limpa a garganta e afirma:

— Quando saio para trabalhar, tu estás em teus aposentos, quando volto do trabalho, já te retirastes para descansar. Até quando pretendes me ignorar?

— Se tivesse sorte, pelo resto da vida... Mas cá estamos nós, meu pai.

Na penumbra do quarto, Ceci vê o barão estreitando os olhos.

— Não entendo tamanho drama, sendo que é uma ótima união.

— Ótima para quem, afinal? Não tive escolha.

— Nunca disse que terias — ele retruca e a menina engole em seco, porque a frieza nos olhos do pai, direcionada para ela, é algo que até então desconhecia. — Apenas pares de fazer birra e honres o compromisso firmado. Joaquim Brandão é um excelente partido! Tem sobrenome, fortuna, futuro-

— Pois pouco me interessa — Cecília o corta com os olhos marejados. — O unigênito de Gregório é um promíscuo que já dormiu com metade desta cidade, inclusive com algumas de minhas colegas. E o senhor quer me entregar a ele?

— Ora, isso irá mudar. Ele será um homem casado!

— Te enganas! Não esperes isso de um sujeito como ele! Entre os grandes homens que conheço, tu és um dos únicos que se mantém fiel à mulher. Bem, isso até onde eu s-

O homem não lhe dá tempo de terminar a fala, antes a cala com um tabefe ardido no rosto. A moça arregala os olhos, apalpando a bochecha direita.

— Nunca mais ouses insinuar algo assim. Vera é a minha vida!

— E precisas me bater para provar?

— Não tentes te vitimar, Cecília, lhe proíbo. Estavas insinuando coisas!

— Não estava insinuando nada, meu pai, quem se doeu foi o senhor. Agora se me dás licença, gostaria de despertar sem ser agredida enquanto o faço.

— Pois bem. Arrumas-te! Iremos almoçar com os Brandão hoje, como um pedido de desculpas por ter sumido daquele jeito no jantar.

— Não tenho que me desculpar por nada.

— Não tens escolha.

Num riso murcho, a filha o questiona:

— Quando foi que tive, não é mesmo?

O barão não a responde, apenas deixa o cômodo para trás, junto do rombo que acaba de aprofundar no coração de sua caçula.

-x-

Cecília ama o tempero de Florência desde que se conhece por gente, mas hoje a comida está intragável, não por causa de Flor, e sim pela visita indesejada. Perdeu o apetite desde que se colocou de pé e se arrumou desleixadamente. Dandara até tentou enfeitá-la melhor, mas se viu no direito de empurrar as mãos da amiga para longe. A última coisa que queria era ficar apresentável para Joaquim.

Aliás, é por este motivo que está com uma trança bagunçada, sem maquiagem e usando um de seus vestidos mais velhinhos. Sente-se confortável — satisfeita até! —, mas sabe bem que tudo o que os demais esperavam de si num momento como esse era elegância, e não conforto. Porém não se abala, continua apenas brincando com a comida em seu prato.

— Estás sem fome, senhorita Cecília? — a pergunta vem de Gregório.

— Infelizmente, sim.

— Por que não a levo para um breve passeio nas roseiras, quem sabe assim teu apetite retorna? — agora quem questiona é Joaquim, e a moça só tem tempo de respirar fundo, já que antes que tenha tempo de responder, o pai já o fez, apontando para que se levante e acompanhe o rapaz.

Filhos do Ouro Preto (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now