Capítulo Nove

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Cecília não consegue controlar o sorriso divertido, que acaba tomando conta de todo seu rosto, quando desce as escadas do casarão e chega ao hall, tendo a atenção de todos sobre si. Está tudo, menos vestida de si mesma. E pela primeira vez não se sente deslocada com isso, pois está numa missão. Por isso, jogando as madeixas para trás, deixa o colo ainda mais exposto e estica ainda mais os lábios desenhados em vermelho sangue. Está rindo na cara do perigo e amando a sensação.

Vera a alcança com temor brilhando nas íris claras.

— Cecília, o que é isso? — sussurra, a arrastando para um canto mais afastado. Ceci logo se livra do toque.

— O quê, minha mãe? Gostaste? — pergunta, fingindo inocência enquanto balança o tecido azul marinho entre os dedos.

— Minha filha, o que faço contigo?

— Apenas me apoies. Não só com palavras.

Vera recebe a resposta feito um tabefe ardido.

— Não é tão simples, querida.

— Não mesmo. Porém, também temos nossa parcela de culpa se aceitamos o que não devemos. Além disso, os problemas só parecem gigantescos porque os projetamos assim — diz racional, deixando seus olhos percorrerem a sala com calma, até encontrar seu alvo. — Mas não este. Este problema eu irei reduzir a pó, minha mãe.

Dando fim a conversa, caminha segura para o outro lado do cômodo. Não abaixa o olhar nem por um segundo sequer, mesmo com as olhadelas recheadas de intenções dos parceiros de negócios de seus pais. Nojentos! Todos os jantares se resumem nisso, um espetáculo de egos. A diferença é que desta vez a caçula de Francisco Fonseca está vestida com algo que eles consideram ser promíscuo. Não que roupa devesse insinuar qualquer coisa, mas infelizmente é o que ocorre há décadas. Contudo, no momento, Cecília pouco se importa. Apenas busca escandalizar.

Durante horas, apenas se insinua para os herdeiros presentes, jovens tão porcos como o próprio Joaquim. Ri alto de comentários sem graça de qualquer um deles e então vira taças de licor, que na verdade, são especialmente separadas por Dara, contendo apenas água. Não come nenhum dos petiscos. Faz parte do show.

Quando o estopim ocorre, com uma repreensão ácida do barão seguida prontamente de uma sugestão sutil do filho de Gregório pedindo permissão para que a leve para tomar um ar, Ceci pisca para a amiga. Pois conhece bem o sujeito e sabe o que está por vir.

— Confesso, senhorita Cecília, que não imaginava que fosses dessas — ele começa ao ficarem sozinhos, próximos à fonte do jardim de rosas. — Mais uma vez, não paras de me surpreender.

— Sou mesmo uma caixinha de surpresas.

— Roubaste a atenção de todos esta noite, o que me deixou enciumado. O que pretendes fazer para me compensar?

Mandá-lo para o quinto dos infernos. Pensa, mas acaba respondendo:

— O que te agradarias?

— Um ósculo.

Engole em seco. Mesmo sabendo que algo assim viria dele, não esperava que fosse ser tão direto. Tampouco que lhe pediria por seu primeiro beijo assim tão facilmente, como se não fosse nada. Ora, para ela tinha grande valor.

— Melhor deixar para o casamento, não?

— Sabes bem que não me importo com isso, senhorita Cecília — ele diz casualmente, aproximando-se mais. — Aliás, se quiser me dar vários desses, ou até mais, não me importo.

— Imagino — devolve, afastando-se de Joaquim. — És experiente, não?

— O bastante para ensiná-la muitas coisas, senhorita Cecília — responde no que imagina ser um tom charmoso, mas que a causa repulsa. Então, cruza o espaço entre eles num piscar de olhos, invadindo o espaço pessoal dela e a abraçando pela cintura. — Agora, meu beijo.

— Já disse que é para guardarmos para o nosso casamento — devolve, de repente assustada com tamanha aproximação e tentando empurrá-lo pelos ombros.

— Ora, Cecília. Querias minha atenção e agora a tens, anda logo com isso.

— Não o entendo — ela estreita os olhos.

— Ah, não? — diz, num risinho frio. — E te vestiste dessa forma por quê?

Porco, imundo, infeliz. Pensa. Vestiu-se assim para humilhar o pai, jamais para provocá-lo, ou esperando qualquer coisa dele.

— Porque quis. Visto-me para mim mesma. Agora podes te afastar? — pede, empurrando-o com mais força.

— Ora, meu anjo, deixe de se fazer.

— Solte-me agora! — late, num estado de fúria pelo vocativo que se transformou em sujeira nos lábios dele.

Mas o rapaz não a obedece, pelo contrário, curva o rosto ainda mais. Inferno! Cadê Francisco? Este é o momento em que ele deveria pegar o sujeito no flagra.

Suspirando pesado, dá-se por vencida e, entendendo que seu plano falhou, apenas faz o que cansou de aprender com Edgar: se vira sozinha. É por essa razão que, em segundos, Joaquim está de joelhos no chão, abraçando o próprio corpo numa lamúria alta. Acaba de chutar-lhe as bolas.

— Nunca mais me toques ou eu te garanto que farei com que a geração da tua família termine em ti. O que é uma lástima, visto que não passas de um traste.

— Ora, sua insolente. Assim que eu me recuperar e colocar as mãos... — ele se cala com o segundo chute que recebe em cheio. Cecília se diverte. Embora saiba que o sujeito não é flor que se cheire, por ora, está no controle da situação e aproveita.

— Atrevas-te.

A moça termina dizendo e se vira pronta para voltar ao casarão quando dá de cara com o pai. Alívio varre todo seu corpo. Finalmente! Está caminhando para se abrigar nos braços dele, quando enxerga o gelo em suas íris. Então, hesita e o que vem a seguir é feito agulha para seus ouvidos:

— Era só o que me faltava. Peço desculpas pelo que acabo de ver, Joaquim. Cecília normalmente não se comporta assim.

A boca dela treme e os olhos estão arregalados e marejados quando suplica num fiapo de voz:

— Pai?

— No entanto, eu mesmo te garanto que isso não irá se repetir.

P-por favor, pai.

Coloque um fim nisso! Implora mentalmente. Mas o barão impõe:

— Eu mesmo irei corrigi-la mais tarde.

Ceci sente o resto de seuchão desabar. Há um bolo do tamanho do mundo em sua garganta que ela se obrigaa engolir de imediato. Não tem tempo para ser consumida pela dor que percorresuas veias feitoum vírus mortal. Ela apenas toma uma decisão. Enquanto encara o pai,dilacerada, Cecília decide, em meio aos destroços de tudo de bom que um diasentiu por ele, que não irá existir um mais tarde.

Filhos do Ouro Preto (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now