Capítulo Oito

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Crescer dentro do casarão não a faz parte dele. Dandara passou a vida toda ouvindo isso da mãe. Ainda quando era apenas uma criança querendo brincar de boneca com sua melhor amiga; depois quando moçoila e só desejava se reunir aos bailes e jantares junto com os demais, e agora mais do que nunca, enquanto Florência a fuzila com os olhos do outro lado da sala de jantar, após pegá-la no flagra recebendo o doce de Edgar.

A verdade é que está cada vez mais difícil fugir dele. Onde quer que vá, seja lá o que estiver fazendo, o filho do barão dá um jeito de se fazer presente. Desde um singelo cumprimento, até minutos de diálogo e principalmente mimos. Como um botão de rosa, alguma fruta doce ou uma xícara de chá caro. O rapaz está em todos os cantos, sorrindo com os lábios e olhos, tentando-a e tendo mais efeito sobre ela do que deveria.

Quando alcança a cozinha, não se surpreende com o questionamento direto:

— O que acaba de acontecer?

Huh?

— O que rapaz Edgar te entregou? — Dandara apalpa o bombom no bolso folgado do vestido que usa e rapidamente responde:

— Nada.

— Ora, nada? Vi com meus próprios olhos, Dara. O que ele te deu?

— Nada, minha mãe.

— Dara.

E é isso. Basta as letrinhas que formam seu nome serem pronunciadas nesse tom cortante para a moça fechar os olhos e, num suspiro doloroso, expor o doce.

— Ah, céus — Florência lamenta, observando-o entre os dedos. — De novo?

— Não é nada.

— E teu coração tolo tem dado ouvidos ao que dizes? Acabo de te ver mostrando todos os dentes num sorriso besta para Edgar! O que pensas que estás fazendo?

— Mãe, por favor!

— "Por favor" digo eu, Dara! A vida já foi dolorosa o bastante conosco, não queres acrescentar uma desilusão amorosa nisso.

— Mãe, é só um chocolate!

— Sim, e ontem foi um biscoito recheado, e anteontem uma presilha de cabelo. — Dandara sente o rosto queimar, está mais exposta do que imaginava. — Sei que Edgar é um bom rapaz, sei de coração. Mas coloque de uma vez por todas algo na tua cabeça, mesmo sendo bom, ele continua sendo um rapaz branco!

A realidade atinge Dandara mais uma vez. Ainda que ela não consiga entender e se recuse a aceitar, uma mera cor de pele tem poder de definir tanta coisa, há tanto tempo, que quase ri de si mesma por ter se deixado levar por paparicos triviais.

Então, ignorando a irritação nos olhos, que claramente estão marejados, ela assente, engole em seco e se afasta cabisbaixa em direção à pia. Logo está tão focada em seus afazeres que deixa de sentir as olhadelas receosas, mas também extremamente amorosas, da mãe.

Florência amaria ver a filha sendo feliz ao lado de quem bem desejasse, mas isso não passa de um sonho. E ainda que sonhar seja bom, em algum momento tu despertas. Além disso, para elas o ato de sonhar é quase proibido. Melhor viver com os pés no chão, Flor decidiu há anos.

Vera retorna de um dos corredores da boutique com outro modelo de vestido bufante e, sorridente, o mostra para a filha:

— O que achas?

— Perfeito — diz, sorrindo de volta. — Para qualquer outra moça que não seja eu — termina fechando o rosto.

— Ceci!

— Dona Vera — retruca. — Não me conheces?

— Não te ajudo mais — a mãe bate o pé.

— Finalmente. Não me lembro de ter pedido qualquer ajuda — devolve seca, mas basta olhar para o semblante tristonho da mãe, para logo se arrepender: — Perdão! Mas tentes entender, não faz meu estilo. Além disso, sequer tenho interesse em me arrumar para a ocasião.

Filhos do Ouro Preto (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now