Não Consigo Parar de Matar

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Eu nunca quis ser uma serial killer.
A situação só saiu do meu controle.
Tudo simplesmente foi acontecendo e quando percebi haviam vinte corpos enterrados no meu quintal.
Não pretendo fingir inocência, e sim declarar que eu estava fora de mim e que preciso de ajuda psiquiátrica.

Não espero que acredite em mim quando digo que, até mês passado, eu nunca havia matado ninguém. Nem animais. Pelo contrário, eu sempre ajudei ONGs de proteção a animais e crianças.

Fui uma boa criança, comportada e que tirava notas altas. Mesmo assim meu comportamento chamava a atenção de alguns professores. Eu possuia algumas manias que eles consideravam excêntricas ou loucas, se quisermos evitar os eufemismos.

A principal tinha haver com repetição.
Eu tinha certa obsessão com números, algo meio supersticioso. Acreditava que alguns números eram bons e outros ruins. Eu não conseguia evitar a compulsão de contar cada ação minha e, dependendo do número que surgia em minha mente, eu era obrigada a repetir os movimentos até alcançar um número positivo. Ou até conseguir sair desse loop de ansiedade em que meu cérebro me colocava.
Isso valia pra qualquer coisa, como abrir e fechar portas e torneiras, apagar e reescrever frases, vestir e tirar roupas, ler e reler o mesmo parágrafo, piscar os olhos.

Essa mania de contagem frequentemente me colocava em situações constrangedoras. Um exemplo, é quando eu esbarrava em alguém e sentia a necessidade de encostar na pessoa mais vezes. Ou quando eu derrubava alguma coisa, e tinha que joga-la no chão novamente.
Uma das piores era quando eu estava comendo e sentia necessidade de cuspir e mastigar a comida novamente.
Vocês não fazem ideia do quão difícil é contar tudo isso. Me traz uma profunda vergonha, quase maior do que a que sinto pelos assassinatos que cometi.

Quero que saibam que eu não gosto de fazer nada disso. Não me dá prazer. Só alívio.
É um ciclo interminável. Sinto ansiedade, minha mente me manda fazer algo estúpido que diminui esse sentimento. Até que ele volta mais forte e as manias vão ficando cada vez mais frequentes e humilhantes.
Sou meu próprio carrasco.

Não me lembro de um único dia em minha vida em que não tenha sentido uma profunda ansiedade. É o sentimento avassalador de que algo muito ruim vai acontecer. A maioria das pessoas já sentiu isso em algum momento.
Eu me sinto assim, o tempo todo.

Minha cabeça é como uma mansão assombrada, cheia de porões onde estão os fantasmas dos meus piores medos. Só que são porões sem portas e meus demônios vivem escapando e aparecem em plena luz do dia.

Pesadelos deveriam pertencer a noite, mas os meus me interrompem a qualquer momento.
Eu posso estar numa festa e, de repente, começo a visualizar a morte de todos que amo e, apesar de não estar acontecendo de verdade, a dor é real.

Eu não estou louca. Sei que meu comportamento é inaceitável e que o que imagino não vai acontecer. São só pensamentos intrusivos. No entanto, não tenho qualquer controle sob os meus pensamentos e sou capaz de fazer qualquer coisa para expulsar essa sensação horrível do meu peito... Acho que isso já está mais do que provado.

Antes de causar mal aos outros, eu causei mal a mim mesma. Faço uso frequente da automutilação desde os sete anos. Não uso navalhas, não desejo morrer. Apenas afundo as unhas na minha pele até que a dor me traga de volta ao mundo real, bem distante dos meus medos.

Mas isso não parece estar funcionando. Me sinto cada vez mais no fundo do poço. As manias estão cada vez mais absurdas.
Eu passo o dia inteiro presa a essas repetições. Antes, eu tentava guardar as manias para quando estivesse sozinha.

Eu não conseguia dormir, perdi a conta de quantas vezes vi o sol nascer sem ter fechado os olhos. Enquanto todos dormiam, eu andava pela casa, acendendo e apagando as luzes, abrindo e fechando janelas e fazendo movimentos repetitivos. Às vezes, eu imaginava fantasmas ou anjos da guarda me olhando fazer essas coisas e pensando que eu era maluca. Mas o julgamento de seres invisíveis não é tão cruel quanto o das pessoas.

Não consigo esconder meu comportamento. Está ficando cada vez mais difícil fingir que está tudo bem. Eu conto meus passos e refaço meu caminho na frente de todos. Falo a mesma frase várias vezes. Tento rir e dizer que estou brincando, mas é difícil manter essa mentira na vigésima repetição.

Meu primeiro assassinato foi em legítima defesa. Um cara tentou me agarrar quando eu voltava de uma festa. Eu sei que não se deve reagir nesses casos, mas entrei em pânico. Eu estava segurando uma garrafa de vidro com bebida, e bati na cabeça dele. A garrafa quebrou e a cabeça dele começou a sangrar, mas ele ainda me segurava. Então enfiei a garrafa trincada em sua jugular até o sangue começar a jorrar. Ele caiu no chão com a mão no pescoço.

Eu fiquei paralisada por uns minutos, olhando o que eu tinha feito. Será que a polícia entenderia? Resolvi não arriscar. Puxei o corpo até meu carro e enfiei no porta malas. Dirigi até minha casa, agradecendo a Deus por viver no meio do mato e sozinha. Peguei uma pá, cavei um grande buraco no terreno dos fundos e joguei o corpo lá. Limpei todo o sangue com água sanitária. Meu carro passou uma semana cheirando a álcool. E foi assim que tudo começou.

Antes eu tinha ansiedade sem motivo, mas agora eu tinha um motivo e minha mente não me deixaria esquecer disso. A ideia de passar o resto da vida na cadeia e ainda ter que enfrentar o julgamento de todos que me conheciam me deixava aterrorizada.
O pensamento de que algo estava errado me perseguia. Algo ruim vai acontecer. E se alguém tivesse visto tudo?
Um pensamento sombrio surgiu no fundo da minha mente sem permissão: "Você tem que se livrar de todas as testemunhas".
Eu lutei contra essa ideia o máximo que consegui. Dizia pra mim mesma que era ridícula e que eu nunca faria isso.

Mas, ao mesmo tempo, eu tentava descobrir todos que estavam presentes na festa através da internet. Eram mais de cem pessoas.
Onde moram? Onde trabalham? Qual trajeto fazem para voltar para casa?
Comprei coisas, soníferos na farmácia , mordaças e algemas num sexshop para não levantar suspeitas.
Eu não queria fazer mal a ninguém, e nem tinha um bom motivo para fazer algo. Até onde eu sabia, ninguém tinha me visto levar o cadáver até meu carro. Matar todo mundo era bem mais arriscado e tinha muito mais chance de me levar para prisão.

Só que o sentimento de medo não ia embora e esse pensamento martelava na minha cabeça dia e noite. Eu não conseguia dormir, pedi licença do trabalho e me isolei na minha casa, sem comer, sem falar ou levantar da cama. Se eu não fizesse alguma coisa, a ansiedade ia me matar.

Então eu cedi a vontade das vozes na minha cabeça. Surpreendi um rapaz que estava voltando da faculdade no meio da noite. Eu sabia que ele tinha estado na festa, pelos seus stories no Instagram. Esperei por ele na parte mais deserta do trajeto.
Fingi estar perdida e, quando me aproximei dele, injetei um sonífero em seu braço direito, aquele que comprei na farmácia, só que numa dose muito mais alta do que o recomendado.
Após espetá-lo com a seringa, eu me afastei. Ele me encarou confuso, sem entender o que eu tinha feito, segurando o braço com a outra mão.
Então o remédio fez efeito, e ele caiu de joelhos no chão e uns segundos depois, finalmente, perdeu a consciência.
Puxei o corpo até meu carro que estava coberto de plástico. Levei o cadáver para minha casa e enterrei no quintal, ao lado do outro.

Isso aliviou minha ansiedade por algumas horas. Até o sentimento voltar, mais forte do que antes.
Então eu fiz de novo, e de novo, e de novo.
A culpa que eu sentia por cada morte, era o motor que me fazia continuar matando.

Estou tão, mas tão cansada. Eu só quero escapar de mim mesma.
Por isso admiti os crimes. Nenhuma pena do juiz pode ser pior do que a tortura psicológica que imponho a mim mesma.
Isso é um pedido de socorro. Por favor, me ajudem. Ou então me matem, tanto faz.
Só faça as vozes pararem.

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20 Contos de Terror (Pior que a Morte)Tempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang