A Morte Caminha

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Eu acho que estou ficando louco. Não confio mais no meu julgamento, então gostaria de ouvir a sua opinião sobre os estranhos acontecimentos que vivenciei nessas últimas semanas.
Eu me mudei recentemente para uma bela casa, que consegui por um preço excelente.
Quando questionei o valor do imóvel, fui informado que o antigo dono da casa foi encontrado morto em seu quarto.
Isso não diminuiu meu interesse em fechar negócio. Nunca acreditei em fantasmas ou coisas do tipo.

Após arrumar meus pertences em meu novo lar, resolvi andar pelo bairro para conhecer a vizinhança. Não que houvesse muito o que conhecer nessa pequena cidade do interior. Só há meia dúzia de casas na minha rua, todas simples, de cores claras. Um cenário perfeitamente pacífico e, talvez por isso, as pegadas chamaram tanto a minha atenção desde a primeira vez que as vi.
Bem no meio de uma encruzilhada, que leva para o pequeno centro comercial da cidade, um par de pegadas de cor carmim brilhava à luz do sol do começo da tarde. Pareciam completamente fora de contexto, o que despertou a minha curiosidade, mas continuei com minha exploração.
Conversei com alguns de meus novos vizinhos e um deles, Ivan, inclusive me serviu uma xícara de café, que aceitei de bom grado, estando exausto pelo esforço da mudança.
Após alguns minutos de conversa trivial, perguntei sobre as pegadas na encruzilhada.

Ele me lançou um olhar estranho que não consegui interpretar muito bem. Parecia um misto de surpresa e preocupação.
"Você as viu? Pouca gente consegue ver.
É uma lenda local, sabe? Dizem que essa cidade está localizada entre duas dimensões: a vida e a morte. As pegadas aparecem quando alguém está marcado para morrer."
Eu refleti sobre essa informação.
"Você quer dizer que eu vou morrer?"
Ele riu nervosamente.
"Não necessariamente. Alguém vai morrer. Mas só vamos saber quem nos próximos dias, quando as pegadas se aproximarem."
"O que você quer dizer com isso?"
"Você vai ver o que eu quero dizer. Elas estavam em frente a sua casa quando o antigo morador morreu."

Demorei para dormir essa noite. Não conseguia parar de pensar nas pegadas vermelhas. Tentei me convencer que podia ser apenas uma brincadeira de criança. Talvez alguém que sabia da lenda estivesse pintando elas para assustar os vizinhos. Isso ainda me parece a versão mais viável dos acontecimentos.
Mas isso não explica meu sonhos. Desde que me mudei tenho tido um pesadelo recorrente.
Estou no meio da encruzilhada. Um homem pálido e assustado se aproxima de mim.
"Corra! Por que não corre? Fuja, antes que ela chegue!"
Eu tento andar, mas não consigo me mover. Sinto como se estivesse congelado no lugar.
"Ela está chegando!"
Vejo as pegadas vermelhas me rodeando, até estarem bem na minha frente. Meu coração bate forte, não consigo respirar. Ouço um som que não sei se é um grito ou um sussurro.
"A morte está se aproximando!"

Acordo completamente exausto e suado.
Tomo um banho gelado e um café quente, mas não consigo relaxar. Nunca tive um sonho tão vívido.
Tive que esquecer minhas preocupações por umas horas, enquanto me dirigia a farmácia onde trabalho. Desci do meu carro ao chegar a encruzilhada. Era difícil dizer se as pegadas haviam se movido ou se eu estava apenas ficando paranóico. Pareciam diferentes para mim.
Quando voltei do trabalho estava cansado, mas ainda me dei ao trabalho de pesquisar sobre o antigo morador da minha casa. Encontrei um jornal local que dizia que ele havia morrido durante o sono. Foram os vizinhos que chamaram os médicos, mas era tarde demais.
Nada suspeito. Exceto pela foto do obituário. Era ele. O homem nos meus sonhos. Assombração ou coincidência, isso tirou meu sono.

Quando finalmente dormi, já devia passar das três da manhã. Tive o mesmo sonho, só que dessa vez o fantasma pálido parecia ainda mais desesperado enquanto me pedia para fugir.
Ao acordar, a primeira coisa que fiz foi caminhar até a encruzilhada. Agora já dava pra dizer que as pegadas tinham se movido durante a noite. Elas definitivamente não estavam mais no meio. Elas estavam viradas pra minha rua.
Sem ter o que fazer sobre isso, voltei para casa e, em seguida, fui trabalhar.
A primeira coisa que fiz quando acabou meu turno foi comprar alguns remédios para insônia.
Entrei na minha casa decidido a não ter mais pesadelos. Não funcionou.

No dia seguinte procurei meu vizinho em sua casa. Ivan parecia ainda mais ansioso.
"Você também viu as pegadas?"
"Eu vi, e não é a primeira vez."
"E o que podemos fazer?"
"Sinceramente? Eu acho que nada. Só torcer pra que não seja a nossa vez. As pegadas ainda estão distantes."

Duas semanas depois, as pegadas já estavam muito mais próximas, mas ainda não dava pra dizer para qual casa elas estavam indo.
Eu tentava seguir com a minha vida, mas meus sonhos eram uma constante lembrança do que quer que estivesse acontecendo.
Nos pesadelos mais recentes, o fantasma dizia que meu tempo estava acabando.
Tentei não dormir algumas vezes, mas parecia quase automático. Às três da manhã tudo surgia em minha mente, estando dormindo ou acordado. Como uma espécie de transe.
Passados mais uns dias, era inegável que as pegadas estavam indo em direção a minha casa.

Procurei meu vizinho novamente. Eu estava um pouco mais alterado do que gostaria de admitir.
"Isso é alguma espécie de brincadeira?"
Ele não se moveu, soltou apenas um suspiro.
"As pegadas estão mais próximas. Você está pagando alguém para pintá-las todos os dias?"
Ele sacudiu a cabeça.
"O que eu ganharia com isso?"
"Então eu devo acreditar que isso tudo é real? A morte está se aproximando?"
Ele piscou, surpreso.
"Onde você ouviu isso? É o que meu pai costumava dizer. A morte caminha."
Ele suspirou.
"As pegadas apareceram em frente a nossa casa alguns anos atrás. Ele apareceu morto no dia seguinte."

Eu não sabia se acreditava no Ivan, na verdade, eu não queria acreditar.
O medo começou a tomar conta de mim. Eu tentei fugir. Passei alguns dias na casa dos meus pais, mas quando voltei as pegadas estavam mais perto do que nunca, como se tivessem apressado o passo.
Eu coloquei a casa à venda. Gostaria de nunca ter comprado ela. Minha vida está um caos desde que me mudei para essa cidade.
Em um gesto de desespero, tentei apagar as pegadas na rua com produtos de limpeza. Elas não sumiam, não importa o quanto eu esfregasse.

Eu não sei mais o que fazer.
Eu escuto sussurros sobre mim pelas ruas, aonde quer que eu vou. Como se eu fosse um homem morto.
As pegadas estão em frente a minha casa, e a cada dia elas se aproximam mais.
No meu último pesadelo, o fantasma me disse que meu tempo acabou. A morte está batendo na minha porta.
E eu não quero atender.

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20 Contos de Terror (Pior que a Morte)Where stories live. Discover now