Capitulo 2

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Anastasia atravessou a soleira da mansão familiar dos Hyde como um coelho que procura refúgio em sua toca. Embora os Hyde não possuíssem dinheiro suficiente para manter a casa em perfeito estado, Anastasia adorava todos os rincões daquele lugar, elegante e um pouco decrépito. As tapeçarias descoloradas e os tapetes do Aubusson desfiados eram de uma familiaridade reconfortante. Dormir sob o velho teto era como fazê-lo nos braços de um avô querido.

Aquela casa majestosa, com colunas na fachada e fileiras de formosas venezianas, era onde George tinha passado sua infância. Era fácil imaginar o menino revolto subindo e descendo, correndo pela escada central, jogando na grama suave, dormindo no mesmo quarto onde nesse momento descansava Lisa, a filha de Anastasia.

Anastasia se alegrava de ter vendido a residência onde ela e George haviam vivido durante seu breve e maravilhoso matrimônio. Aquele lugar continha as lembranças mais felizes e mais tristes de sua vida. Preferia estar aqui, onde a dor se atenuava com imagens agradáveis da infância de George. Havia seus retratos de quando era menino, lugares onde tinha gravado seu nome na madeira, baús de brinquedos e livros cheios de pó que deveriam entretê-lo durante horas. Sua família... sua mãe, seus dois irmãos e suas esposas por não falar dos empregados que tinham atendido George desde que era um bebê, eram amáveis e afetuosos. Todo carinho que deram a George, o filho predileto, o entregavam a ela e a Lisa. Ficava fácil imaginar-se passando ali o resto de sua vida, no doce mundo que os Hyde lhe ofereciam.

Só em estranhas ocasiões Anastasia se sentia asfixiada por aquela reclusão tão perfeita. Às vezes, enquanto bordava, acossavam-na fantasias estranhas e descabeladas, que pareciam escapar a seu controle. Também havia momentos que sentia emoções irreprimíveis que não tinha forma de expressar. Queria fazer algo escandaloso, gritar na igreja, ir a algum sitio com um chamativo vestido vermelho e dançar... ou beijar um desconhecido.

—Meu Deus -sussurrou Anastasia em voz alta, dando-se conta de algo perverso nela, algo que devia trancar com chave para que não aflorasse jamais. Era um problema físico, a necessidade de uma mulher de ter um homem, o dilema que enfrentavam todas as viúvas quando já não tinham um marido que as visitasse na cama. Adorava as carícias de George e sempre tinha esperado com ansiedade as noites em que ia a seu quarto e ficava até o amanhecer. Naqueles três últimos anos, havia lutado contra a necessidade inconfessável que sentia desde sua morte. Não falara a ninguém sobre seu problema, pois conhecia bem o conceito que a sociedade tinha sobre o desejo feminino. Nem sequer deveria existir. As mulheres deviam servir de exemplo aos homens e usar sua virtude para aplacar os baixos instintos de seus maridos. Deviam submeter-se a eles, mas jamais respirar sua paixão e, evidente não deviam demonstrar seus próprios desejos físicos.

—Senhora! Que tal o baile? Divertiu-se? Dançou? Havia pessoas conhecidas ?

—Bem, sim, não e muita - respondeu Anastasia, forçando-se a sorrir quando sua donzela, Maude, foi recebê-la a porta de seu quarto. Maude era a única faxineira que Anastasia pode conservar depois da morte de George. Os outros serventes tinham sido contratados pelos Hyde ou despedidos com boas referências e a indenização mais elevada que Anastasia tinha conseguido. Maude era uma mulher atraente de uns trinta anos, bastante cheia, que possuía uma energia ilimitada e um bom humor perpétuo. Até seu cabelo loiro era exuberante, negando-se a ficar quieto nos coques que fazia. Trabalhava duro todos os dias, principalmente como babá de Lisa, e servindo também a Anastasia, como acompanhante, quando era necessário.

—Como está Lisa? -disse Anastasia , aproximando-se da lareira e estendendo as mãos para esquentar. —Demorou para dormir?

Maude esboçou um sorriso triste.

—Infelizmente sim. Ficou falando como um papagaio sobre o baile, e como você estava bonita com esse vestido azul. -Recolheu o casaco de Anastasia e o dobrou sobre o braço. —Embora, se quiser minha opinião, seus vestidos novos seguem parecendo de luto; são de uns tons muito escuros. Oxalá se fizesse um de cor amarela ou desse verde claro tão bonito que levam todas as senhoras...

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