CONTO V

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"É melhor reinar no inferno do que servir no céu."

Um dos maiores encontros do rock gaúcho acontecerá hoje. Não vai ter pôr do sol defronte ao Guaíba, mas nem o tempo ruim poderia arruinar esta noite.
O Anfiteatro já estava coberto pela multidão, quando chegamos. A noite estava úmida, e os poucos vestígios do gramado que insistiam em aparecer, brilhavam com a fina camada de neblina que caía, pequenos pontos que não existia multidão. Os gritos e os corpos se contorcem e pongueiam no ritmo da banda que estava tocando.
A gurizada estava empolgada, porque fazia um tempo que toda a galera não conseguia se reunir. Viria gente de tudo quanto é bairro, é óbvio, que a diversão era certa.
Logo quando cheguei, os guris me falaram que tinham marcado com o pessoal lá da Zona Norte, a primeira coisa que veio em minha cabeça era que provavelmente ela viria. Garrafas de vinho e uísque já passavam de mãos e mãos, aquecendo e inebriando as mentes desde de quando começamos a ouvir os primeiros acordes das bandas independentes, antes mesmo de chegar.
Eu não estava achando tão frio, mas via um pessoal de casacos por conta da fina garoa.
Eu observava atentamente cada rosto que se aproximava, fiz uma varredura, na esperança de ver a pequena. Será que ela viria mesmo com chuva? Me perdi em meio aos pensamentos, já sentindo algo tomar forma dentro das minhas calças.
- Olha lá eles estão chegando- meus olhos identificaram apenas rostos masculinos, e sinceramente me deixou puto da cara
- Não fica de cara, olha lá quem está vindo - Renato aponta com o queixo em direção a um pontinho em meio aos rostos masculinos, caminhando lindamente em passos malemolentes, vestida com um corselet preto com detalhes em fitas vermelhas, ressaltando os volumosos seios, deixando sua clavícula a mostra, uma mini saia plissada preta que fazia as ancas dessa guria ficarem maiores ainda, e as coxas riscadas com meia arrastão, finalizando com botas cano alto, e por cima de toda está perdição, um longo sobretudo preto.
Os maldito olhos expressivos estavam marcados com riscos preto, lábios voluptuosos em vermelho, e tudo que compunha seu estilo, anéis, brincos, uma gargantilha com um pequeno pingente de pentagrama e os spikes, e com os cabelos umedecidos da chuva. Tive que beber mais um gole, para conter a reação que a filha da puta causava em mim.
- Ôh. Anjo da Morte, nem tenta chegar na guria cara, eu tô vendo como tu olhou pra ela com este olhar de presa fácil, eu sei que ela é foda pra caralho, mas ela não se mixa pra ninguém. Acenei com a cabeça fingindo concordar, bebendo mais um gole do uísque, enquanto acompanhava seus passos em nossa direção, sorrindo enquanto conversava, ao mesmo tempo que cantarolava cada refrão, com uma empolgação que mais parecia brincar.
-Cara, tu não vai querer ver a "face escura da lua" ela é esquentadinha, arisca e briguenta, eu tô te avisando.
Neste momento Renato, ergueu o violão e assobiava para sinalizar onde estávamos, e rapidamente eu senti o olhar pesado em minha direção, ela usava o maldito olhar como arma, lascivo, ardente, envolvente e altruísta, filha da puta!
Seu grupo de amigos era composto por oito marmanjos, e era só ela de guria, mais parecia andar em meio aos urubus, isso sim.
Ela fazia questão de cumprimentar um a um com três beijinhos e cuidadosamente tentava manter uma certa distância, e isso causava um certo desconforto, eu queria chegar mais perto.

*******
Enquanto eu cumprimentava todos da roda, sentia um olhar pesado sobre minhas costas, a cada movimento, quando cheguei ainda mais próxima dele, subindo um pouco mais o meu olhar até encontrar aqueles olhos negros - era para cima mesmo - quando vi o rosto do guri em pé bebendo uísque, me observando sem dizer uma única palavra, senti arder a minha pele, provavelmente ruborizei, só pelo jeito que ele me rasgava.
Quando fui cumprimentá-lo, fiz exatamente igual com todos, estendi minha mão e sentindo seu toque. Minha mão fria e a dele pelo contrário, muito quente, a ponto de arder. No mesmo instante ele me puxou pela mão e a outra se encaixou em minha cintura, me olhando fixamente, levou minha mão até os lábios, beijando calmamente o dorso de minha mão. O toque era firme, e os lábios beijavam suavemente os nós de meus dedos, foi algo preciso. Causando um tremor involuntário.
- Oi pequena.
Eu disse apenas oi, com um sorriso bobo e fiquei o encarando.
Senti a estranha sensação de abandono, quando suas mãos se afastaram.
Enquanto me virava para conversar com todos, ao mesmo tempo que curtia o show, ainda próxima dele, conseguia sentir que continuava a seguir todos meus movimentos apenas com o olhar. E eu, tentava buscá-lo com o canto de olho, todo instante, teve um momento que estava tão perto que pude analisar seus traços angulares, com um queixo quadrado e maçãs do rosto ruborizadas devido ao álcool, olhos escuros luminosos e pesadas sobrancelhas negras, além de uma covinha profunda do lado esquerdo que surgiu quando seu sorriso se espalhou pelos lábios. E com um corpo grande o bastante para minhas mãos explorarem por horas.
Ele me encarou, e chegou ainda mais perto, eu o encarei de volta tentando intimidar, mas era impossível disfarçar toda a eletricidade que existia ali.
- O que foi?
O fitei com o olhar, ele me observou por um instante, e logo em seguida se inclinou, chegou tão perto do meu ouvido que pude sentir seu hálito quente tocar levemente minha orelha.
- Curti o Show comigo?
- A gente já está curtindo. Chegando mais próximo do meu ouvido disse num sussurro.
- Tu é a guria mais interessante deste lugar - eu dei risada, ele limpou a garganta e olhou ..
- Então é improvável também que tu saias daqui comigo hoje?
Pisquei, então pisquei de novo, incrédula. Aquela sugestão franca estava oficialmente fora do meu eixo.
- Eu... o quê? Não...
- Que pena.
-Tu tá falando sério? Tu nem me conhece direito. Corrigindo- acabamos de nos falar - senti seu hálito mais próximo ainda ao meu ouvido.
- E já tenho um desejo enorme de te de-vo-rar.
Ele pronunciou as palavras lentamente, quase um sussurro obsceno, ecoou tão alto em minha cabeça como uma explosão. Era óbvio que ele não era novato nesse tipo de interação ele sabia exatamente como agir - propor sexo daquele jeito, tão obstinado me fez ver que poderia acabar seguindo-o para qualquer lugar.
Todo o álcool que já havia tomado pareceu me acertar de uma vez e trancei as pernas na frente dele, que vergonha! Ele me ajudou a voltar à posição anterior colocando a mão em meu ombro e sorrindo com malícia.
- Cuidado, pequena.
Pisquei de novo para clarear a mente.
- Certo, quando tu sorri para mim desse jeito, eu sinto vontade de te agarrar - olhei para ele de cima a baixo, aparentemente jogando toda a civilidade pela janela. - E algo me diz que é melhor eu nem tentar.
Ele não falou nada, apenas continuou olhando. Respirei fundo, tagarelei com um sorriso divertido.
- Eu vim pra me divertir, não fico aleatoriamente com alguém assim, em shows, e eu vim com os guris. Ele assentiu uma vez, lentamente, o sorriso se abrindo mais um pouco, como se tivesse acabado de aceitar um desafio:
- Certo.
- Então, te vejo por aí. E tentei sorrir normalmente, já me sentindo desconfortável o suficiente para sair dali.
- Espero que sim.

Contos IndecentesWhere stories live. Discover now