capítulo 13

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                 MELINDA OLIVEIRA


                    4 DIAS DEPOIS


Hoje, pela primeira vez, Ricardo me ligou e entrei em pânico, então não atendi. Ouvi dizer que ele ligou para o escritório onde meu pai está trabalhando, e acho que meu pai disse que estava dormindo, pois não retornou a ligação. Meu celular toca novamente e começo a ficar com medo, mas quando vejo que é Anthony, consigo respirar aliviada. Após o quarto toque, atendo.
— Bom dia, Linda.
— Bom dia, Anthony. Hoje você demorou 25 minutos para ligar. — digo, fazendo-o rir.
— Hum, estava contando os minutos para ouvir minha voz, é? — ele fala no tom de brincadeira, mas para mim não é.
Eu realmente conto os minutos para que ele ligue. Se for ser sincera, é a melhor parte do meu dia. E as ligações sempre acontecem de manhã, quando acordo, e à noite, antes de dormir.
— Não seja tão convencido, Anthony.
— Certo, certo. Talvez eu tenha um pouquinho de autoestima elevada.
— Só um pouquinho? — bufo segurando uma risadinha e ele gargalha do outro lado da linha, enchendo meu coração de uma emoção desconhecida.
— Ok, talvez seja mediana, mas não é tão alta assim, viu? E para você não ficar nesse barco sozinha, devo dizer que também conto os minutos para falar com você. — não vou mentir, isso me deixou feliz.
— É sério?
— Muito sério. É a melhor parte do meu dia. — ele fala o que eu sinto, e eu sorrio, colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.
— E para mim também. Porque, bem, você me deixa feliz. — confesso, e escuto ele soltar uma risadinha baixa.
— Acho que é mútuo, porque você também me faz sorrir e tira um pouco do peso do tumulto que é o meu dia. — ele fala, e de repente, nós dois ficamos em silêncio.
— Acho que tenho que ir, Linda. Mas à noite te ligo. Tudo bem?
— Vou esperar. — digo sorrindo.
— Certo. Até a noite, Linda. Tenha um belo dia. — ele diz.
— Até, Anthony, e tenha um bom dia de trabalho. — ainda ficamos na linha até que ele desliga, e eu suspiro. Sei que nossa amizade está ficando estranha, mas é o ponto alto do meu dia. É o que me faz levantar todos os dias com um sorriso no rosto.
Verifico se as câmeras do corredor continuam desligadas e suspiro aliviada. Ele ainda não as ligou. Mas mesmo se ligar, terá uma surpresa, pois puxei o fio da câmera do meu quarto. Sei que é arriscado, mas não posso deixar que ele me pegue falando com o Anthony. E não posso deixar de falar com ele. Prefiro ser rebelde apenas uma vez na vida.
Alguém bate na porta do meu quarto e corro para abri-la. Era minha mãe.
— Seu marido quer falar com você, filha.
— Eu não quero falar com ele, mãe.
— Não é uma opção. — ela fala com voz de reprovação.
— Por que não?
— Porque ele disse que se você não falar com ele... hum...
— Fala, mãe. — eu peço, já sabendo que o que vem por aí não é nada bom.
— Ele disse que se você não atender a ligação dele, e para ligar as câmeras, pegar o seu celular e... bem, irmos embora, te deixando à própria sorte. — eu me sento com medo de minhas pernas falharem.
— E a senhora teria coragem de ir embora? De me deixar aqui sozinha, sem celular? — ela me olha com um olhar culpado.
— Não há muito o que fazer, filha. Ele é seu marido, não posso me intrometer. Mas pense pelo lado bom, se você falar com ele, vamos continuar aqui e você vai continuar com seu celular e algumas liberdades que estou te dando.
— Isso não é justo, mãe.
— Às vezes, a vida não é justa, filha. Mas considere-se agradecida, há muitas pessoas que não têm um teto sobre suas cabeças, que passam fome. Você foi agraciada. Tem uma família que se importa com você e um marido que provê seu sustento. A única coisa que você precisa fazer é cuidar da casa. — ela fala como se minha vida fosse a mais maravilhosa do mundo, como se eu não sofresse, como se eu reclamasse por ser mimada. Eu tenho vontade de gritar.
— Tudo bem, mãe. Peça para que ele ligue depois do almoço, porque agora preciso cuidar das minhas obrigações.
— Fez uma boa escolha, filha. Sabia que faria a escolha certa. — ela diz, saindo do meu quarto.
Ela esqueceu que não me deram escolha, que nessa droga de vida eu nunca tive escolha em nada. Eu tento segurar o choro. Eu tento pensar em coisas boas. E logo Anthony vem em meus pensamentos, sorrindo e dizendo que gosta de falar comigo também. Isso me ajuda a manter a compostura.
O dia passou como um borrão e Ricardo não me ligou, e eu respirei aliviada. Até me esqueci que ele me ligaria. Tanto é que, quando estava me arrumando para me deitar, apenas esperando a ligação do Anthony, nem olhei para ver quem estava ligando, só atendi no primeiro toque, dizendo a nossa saudação de sempre.

— Boa noite. Como foi seu dia?
— Que recepção mais calorosa, esposa. Estava com saudades do seu marido, Linda? — quando ouço a voz dele, meu coração parece parar de tanto medo. Cheguei a suar frio. Será que mencionei o nome de Anthony? Não quero nem pensar nessa hipótese.
— Olá, Ricardo. — falo com tremor na voz.
— Oi, esposa, você não me respondeu. Estava com saudades?
— Hurum...
— Também estou com saudade de ver minha Linda Melinda. Você já perdoou seu marido? Sabe que tudo o que eu faço é para o seu bem, meu amor. Só para você entender que seu lugar é comigo. — ele fala e eu apenas escuto. Ouço ele abrindo algumas gavetas, fechando algo, e então escuto o barulho dele se sentando, soltando o ar pesadamente.
— Melinda.
— Sim.
— Você me entende, não é?
— Hurum...
— Bom, muito bom. Ainda vou ter que ficar aqui por mais alguns dias, talvez semanas. Mas como você está com seus pais, não vou me preocupar. Está faltando alguma coisa para você?
— Não. — respondo.
— Se precisar de qualquer coisa, pode pedir ao seu pai, que mando a quantia necessária. Não quero que você passe falta de nada, tudo bem?
— Sim.
— Amanhã vou ligar as câmeras para ver você. Seus pais terão que sair por algumas horas. — fico quieta, calculando uma maneira de consertar o fio que tirei da câmera do quarto.
— Eu falei com seu pai esses dias e estava pensando em levar você para uma viagem. Lembro que uma vez você me disse que seu sonho era visitar o estado de Santa Catarina. Bem, podemos programar isso. O que acha?
— Bom. — falo, não querendo irritá-lo. É melhor fingir que está tudo bem e deixá-lo onde está. Se ele ficar irritado, pode querer voltar.
— Então fica combinado assim, Linda. Estou morrendo de saudades. Já faz meses que não toco no corpo da minha esposa. — ele diz, e escuto que ele parece estar mexendo em seu cinto.
— Estou querendo fazer amor com minha Linda. Você me quer, Melinda? Me quer dentro de você? — ele pergunta, e me sinto suja. Porque não o quero. Não o desejo, não sinto nada por ele, a não ser decepção, nojo e medo. Engolindo em seco, digo:
— Sim. — em um sussurro.
— É assim que eu gosto da minha esposa. — e quando penso que ele vai falar mais alguma coisa, ouço uma mulher chamando ele.
— Querido, a banheira está cheia. E estou nua, te esperando.
— Estou indo. Só vou me despedir de Melinda. — a cada vez que penso que Ricardo não pode se superar, ele me prova o contrário.
— Boa noite, Linda. Sonhe comigo.
— Boa noite para você também, Ricardo. — e então desligamos. Eu me jogo na cama e choro. Derramo todas as lágrimas que não chorei nos últimos dias.

Meu celular começa a tocar, mas eu não atendo. No entanto, ele continua tocando, e continua, e continua, até que chega uma mensagem de Anthony.

Anthony: Por que você não me atendeu, Linda? Está ocupada? Deve estar dormindo, não é mesmo?

Anthony: Desculpe por não ter ligado antes, fiquei preso no trabalho até agora.

Anthony: Espero que esteja tudo bem. Tenha uma boa noite de sono, Linda.

Eu cogito ligar para ele, quando meu celular toca novamente e decido atender.

— Oi, Linda. Eu te acordei?
— Não. — digo, e acho que ele percebe que minha voz está estranha.
— O que foi, Linda? Você andou chorando?
— Não é nada, Anthony.
— Eu sou seu amigo há pouco tempo, mas sei reconhecer quando você está mentindo. — ele fala, e ouço ele suspirando.
— Se abra comigo, Linda. Você sabe que pode confiar em mim, não sabe?
— Sim, eu sei.
— Então, se abra. Me diga o que te fez chorar.
— Ricardo... — ele não me deixa terminar a frase.
— Ele já chegou, Linda? Ele te machucou? Quer que eu vá aí? — ouço preocupação em sua voz, e isso me faz sentir um pouco melhor. Ele se preocupa comigo.
— Não. Ele me ligou. Ele disse aos meus pais que, se eu não o atendesse, ele me deixaria aqui sozinha e sem o celular.
— Desgraçado. — ouço Anthony xingar, e olha que eu nunca o ouvi falar um palavrão.
— Me perdoe, Linda. Continue, o que mais ele queria? — eu então conto tudo para ele.

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