capítulo 9

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MELINDA OLIVEIRA

DUAS SEMANAS DEPOIS


Os dias se passaram com Ricardo fingindo não conhecer minha existência ou tentando falar comigo de alguma forma. A última tentativa foi ele me dar flores. Vocês não leram errado. Quando entrei no meu quarto, havia um lindo ramalhete de flores na cama. Fizemos um ano de casamento algumas semanas atrás, e nenhum de nós se recordou, ou melhor, fingimos esquecer.

Tenho falado apenas com minha tia e irmã. Tenho evitado falar com meus pais. E, graças a Deus, não tenho visto Ricardo, o que tem ajudado na minha saúde mental.

Ele chegou para o almoço, mas apenas servi-o e menti dizendo que já havia almoçado. Ouço seus gritos me chamando para ir até a sala de jantar.

— Melinda.
— Sim.
— Sente-se, venha me fazer companhia. — Ele diz sem me olhar.
— Estou bem aqui, obrigada. — Digo de forma sucinta.
— Sendo assim... — Ele me olha com desdém.
— Hoje quero que você vá para o meu quarto. Quero que esteja na minha cama quando eu chegar. — Meus olhos se enchem de lágrimas. Isso não vai acontecer de forma alguma. Ele nunca mais vai tocar em mim ou em meu corpo. — Entendido?
— Não... — Nunca me neguei a nada a ele. Ele não me toca há meses. Ele só pode estar querendo provar que me possui, mas não vai acontecer. Sem chances.
— O que você disse? — Ele pergunta, jogando o guardanapo na mesa e batendo o punho forte, fazendo um barulho estrondoso. Isso me assusta, e acredito que também assuste a pobre Rosa. Ele se levanta e vem em minha direção, e eu dou passos para trás até encostar na parede. Ele me mantém ali, com seus braços me impedindo de sair, e começo a ficar sem ar.
— Você não pode negar-me acesso ao seu corpo, Melinda. Você é minha esposa, minha posse, e eu faço o que quero com você, entendeu? — Ele pega sua mão e coloca em meu pescoço. Ele vê o pânico em meus olhos, mas apenas passa a mão por ali e depois aperta minhas bochechas. Ele tenta me beijar, mas eu desvio o rosto, e ele ruge de ódio.
— Não me prive, Melinda. — Eu choro. E eu choro alto.
— Por favor, Ricardo, não. Por favor, não. — Ele olha para o lado e vê Dona Rosa.
— SAIA DAQUI, ROSA. AGORA. — Ele esbravejou, fazendo-me tremer no meu lugar.
Quando Dona Rosa segue para a cozinha, ele aperta meu pescoço e sinto que estou sufocando.
— Por... fa... Ricardo... — Eu imploro, sentindo dor com o aperto e começando a ficar desesperada por ar. Ele vai me matar... Estou começando a perder os sentidos e, então, ele solta meu pescoço. Começo a puxar o ar pelo nariz e pela boca, tossindo e chorando, agoniada com a pressão que senti com a falta de ar, com o pânico que me invadiu.
— Você nunca aprende, Melinda. Nunca se deve desafiar alguém como eu. Você deveria ser mais perspicaz. Parece que não me conhece, querida. — Ele fala, passando a mão em meus cabelos e fazendo-me olhar para ele.
— Veja o que você me faz fazer. Sabe que não gosto de machucá-la, mas você sempre me obriga. — Ele fala, colhendo minhas lágrimas e levando à boca, chupando-as de seus dedos.
— Pare de chorar. Nem coloquei a pressão necessária para feri-la. Eu não sou idiota para marcar você e ter algo contra mim. — Ele fala, colocando as duas mãos em meu pescoço.
— Você sabe que, se me denunciar, vou ficar muito irritado com você. E bem, acho que você não vai gostar de me ver irritado, não é? — Eu nego com a cabeça.
— Esperta, muito esperta. Eu odiaria ter que mostrar a você como posso ser cruel. — Rosa aparece novamente, e então ele se afasta de mim. E eu respiro mais aliviada.
— Não esqueça do que eu disse.— E ele sai da cozinha. Fico paralisada no lugar e espero ele ir embora para só então correr e abraçar Rosa.
— Muito obrigada, Dona Rosa. — falo chorando, abraçada a ela.
— De nada, minha menina. Sua tia mandou eu cuidar de você. — ela diz e me leva para sentar em um sofá.
— O que eu vou fazer, Dona Rosa? Você viu o que ele fez comigo? Eu não quero ir para o quarto dele, não posso. — eu falo desesperada, e ela me olha com piedade.
— Vamos pensar em uma forma de contornar essa situação.
— Assim espero, Dona Rosa, ou serei uma mulher morta. Não suportaria sentir o toque dele. — ela me compreende e fica em silêncio. E então meu telefone toca.
— Oi.
— O que aconteceu, linda?
— Ricardo...
— O que tem ele, querida?
— Ele quase me enforcou, apertando meu pescoço.
— Deu marcas? Porque, se sim, podemos denunciá-lo. — eu solto o choro um pouco mais alto.
— A senhora acha que ele é tão burro assim, tia? Ele sempre faz tudo muito calculado.
— Ainda vamos fazê-lo pagar, filha. Mas por que ele agiu assim?
— Ele... ele quer... que eu vá para o quarto dele esta noite. — eu digo chorando, e minha tia solta um suspiro alto.
— Vamos dar um jeito. — ela faz uma pausa. — Sua menstruação desceu?
— Não.
— Está para descer quando?
— Daqui a uns 4 dias.
— Pronto, então fale que sua "regrinha" veio mais cedo.
— E se não der certo, tia?
— Vai dar, filha. Ele não dorme com você há tempos, não é?
— Sim, há mais de 8 meses.
— Então, ele não vai saber que você está mentindo. E aproveita e vai ao mercado comprar absorventes.
— Está bem, tia. Vamos torcer para que isso dê certo. E depois?
— Vamos focar no hoje, querida. O amanhã a gente pensa depois. Teremos 7 dias de vantagem.
— Certo, tia.
— Me mantenha informada, Linda, por favor.
— Está bom, tia. — e assim desligamos.
Eu e Rosa ficamos apreensivas, mas ela também acha que vai dar certo. Ela sugere que, como ele vigia as câmeras, eu comece a fingir que estou com cólicas, fique mais deitada. Então passo o dia todo deitada, e quando chega a noite, arrumo o jantar correndo, coloco no micro-ondas e vou para o meu quarto, tranco a porta e tomo um banho bem demorado. Acredito que ele já deve ter chegado. Me deito e fico assistindo algum programa idiota no celular, deixando-o passar para tentar me distrair.
Quando estava dormindo, acordei à meia-noite com a maçaneta do quarto sendo forçada, e meu coração palpita. Ele tenta forçá-la algumas vezes e acerta a porta com uma fúria tão grande que causa um estrondo. Eu me encolho na cama, tampando até minha cabeça.
Minutos depois, ouço ele acionando o portão e saindo de carro, me deixando sozinha. Suspiro de alívio, e sei que ele deve ter ido procurar a ex, mas esse pensamento não me fere, não me causa desconforto. Sinto-me indiferente, como Anthony disse que seria. Acostumei-me com a solidão, com a falta de um toque masculino.
Não vou ser hipócrita e dizer que não sinto falta, é claro que sinto, e muito. Meu corpo às vezes me trai, como naquela noite em que ele me tocou carinhosamente. Eu queria tanto acreditar que ele tinha mudado, que ele seria novamente meu marido. Deixei de enxergar todo o resto, provavelmente ele estava fazendo tudo aquilo para provocar ciúmes na ex dele, e por causa daquela cena toda, ele recebeu um oral.
Me aconchego na cama e demoro a pegar no sono.
Quando acordo no outro dia, já passa das 8 da manhã. Levanto-me rapidamente, faço minha higiene e desço as escadas.
Sigo direto para a cozinha, Dona Rosa está lá preparando o café.
— Ele não dormiu em casa?
— Não, ele não dormiu.
— E como você se sente?
— Não sinto nada, Rosa. Será que estou com algum problema?
— Por que pensa assim, Linda?
— Porque tenho certeza de que ele foi para a casa da Susana. — digo com um gosto amargo na boca, porque lá no fundo da minha alma eu me ressinto, porque lá no fundo dói saber que ele prefere e sempre preferiu sua ex. Tento afastar esse sentimento para o fundo do meu ser. Não posso deixar me abater por isso. Eu não sinto nada. Preciso me convencer disso.
— Você sente sim, Linda. Só tenta não deixar isso te abalar mais do que já está abalando. — não nego porque é a verdade, tento não sentir.
Continuo na cozinha tomando meu café e quase na hora do almoço, ele aparece e vai até a cozinha para que eu veja como ele chegou. Está todo bagunçado e amarrotado, com marca de batom na camisa aberta, sem a gravata e o paletó. Ele passa por mim e sinto o cheiro de álcool e um perfume tão doce que quase me causa náuseas. Ele vai até o bule, tira café e toma olhando para mim. Não digo nada, por mais difícil que seja ver que ele esteve com outra mulher, que ele a tocou, que ele a beijou, que ele deu todos os carinhos que eram para ser meus. Sinto-me tão mal, tão perdida.
— Por que está fazendo isso comigo, Ricardo? — não consigo me conter e acabo perguntando o que tem me tirado o sono.
— O que estou fazendo, Linda? — ele pergunta com desdém.
— Se você não me ama, por que não me deixa ir?
— Você quer ir? — ele brada e vejo ódio em seu olhar. E percebo que fiz a pergunta errada quando ele me olha com ódio, joga a xícara na pia e vem até mim. No momento em que ele chega a certa distância, percebo que ele está cheirando a uísque que bebeu.
— E o melhor para nós... você... você dormiu com ela, não dormiu?
— O que acha? Você me rejeitou ontem. Eu sou paciente, Melinda, muito paciente. Mas quando quero o que é meu, não gosto de ser privado, ou então procuro por quem quer dar — ele fala olhando nos meus olhos, e seguro para não chorar em sua frente diante de sua confirmação.
— Deveríamos nos divorciar, Ricardo. É visível que você não me ama mais, e bem, acho que você ainda ama sua ex-esposa. Então, bem... — falo e sinto a mão dele batendo em cheio no meu rosto, o tapa estala. Dona Rosa solta um suspiro.
— Nós nunca vamos nos separar, você está me ouvindo? Nunca mais toque nesse assunto de novo. Você me pertence e sou seu dono e posso fazer o que eu bem quiser. Se você ao menos tentar sair de mim, Melinda... eu te mato, ouviu bem? Eu mato você... olhe para mim, sua vadia — ele puxa meu braço e segura meu rosto, apertando minha bochecha.
— Diga que entendeu — eu balanço a cabeça e lágrimas rolam pelo meu rosto, eu quero que um buraco me engula.
— Eu demorei anos para me casar com você, seu pai disse que você era a esposa ideal, que não iria me dar trabalho algum, que aceitaria tudo que eu fornecesse a você. Você foi boa por 4 meses, até que você estragou tudo que tínhamos. Você é a culpada. Vocês mulheres são umas putas mesmo — ele sai exasperado pela porta da frente, sem pegar nada, e sei que ele vai para o celeiro. Recorro à minha única ajuda.

Um Anjo Na Escuridão Where stories live. Discover now