"I'm sorry to my unknown lover"

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Eu podia começar a contar essa história de inúmeras maneiras diferentes.

Eu poderia começar falando sobre quando a vi pela primeira vez, com os olhos grandes curiosos e o sorriso sem um dente. Poderia começar falando do nosso primeiro beijo, onde eu achei que havia estragado tudo. Eu poderia contar sobre a nossa primeira vez, ou então... Poderia contar do casamento. Qualquer coisa que envolvia ela era complicado demais para explicar - e de entender - porque quando se trata dela as coisas nunca são fáceis. Por muitas vezes me vi confusa se devia falar sobre ela porque tinha medo de que as pessoas pudessem se apaixonar também e eu nem sabia como falar. Na longa lista de adjetivos sobre ela, fácil era o único que não se encontrava. Acho que eu deveria começar a contar isso do início.

Meu nome é Jenna. Jenna Marie Ortega. Eu tenho 26 anos, mas essa história começou quando eu tinha oito. Meu pai teve uma transferência no trabalho e tivemos que nos mudar para o lugar onde passei toda minha adolescência: O Condomínio Montanari. Lá conheci amigos, aprendi coisas importantes, vivi momentos importantes e... Lá que eu a conheci. Desde do momento que ela se arriscou a tentar falar comigo eu sabia que tinha algo diferente nela. Essa garota se chama Emma. Sim, com dois M. Eu não sei nem exatamente por onde eu começo a falar sobre ela. O cabelo dela costumava ser cacheadinho, mas eles se desfizeram sozinho ao longo do tempo. Ela tem fobia de elevadores, gosta de iogurte, ama usar roupas coloridas (o que sempre teve um grande contraste com meu guarda roupa monocrático de branco e preto), ela gosta de animais, todos eles, mas odeia zoológicos. Gosta, também, de todo tipo de música e adora dançar, e cantar. Ela raramente acorda de mau humor, mas fica chata quando passa muito tempo sem comer. Emma é a mistura perfeita de "Noite Estrelada" de Van Gogh e "Für Elise" de Beethoven.

Hipnotizante como o céu vibrante da pintura, e delicada como as notas de piano. Duas obras extremamente famosas em estilo de arte diferentes. Apesar de conhecida e popular, ambas não perdem seu valor. Reproduzir elas não é uma tarefa fácil, eu levei três meses para aprender a tocar no piano e mais dois de treino aperfeiçoando para apresentar numa peça na época de escola. Nem se eu treinasse a vida inteira eu aprenderia a lidar com Emma. Ah, mas se Drummond a tivesse visto teria a feito um livro. Não duvido que Vinícius de Moraes escreveu "Onde Anda Você" ao conhecer uma Emma daquela época. Quem sabe talvez seja a própria Capitu de Dom Casmurro, ou então a Julieta de Romeu, ou Beatriz de Dante... Eu poderia acha-lá em qualquer lugar. Emma era arte: eterna e mutável. É a musa perfeita para qualquer obra.

Consigo facilmente a vê-la na Grécia, como uma mistura mística de Afrodite e Atenas. Embaixadora de um povo, liderando seu governo e ensinando crianças a ler as escrituras antigas dos pergaminhos que ela não deveria mostrar aos pobres. Ela poderia ser uma Cleopatra do Egito em sua era de ouro, com a maquiagem colorida e extravagante que usa até hoje, que eu gosto de pensar que é uma pintura de guerra. Talvez fosse também uma imperatriz de Roma (Avé Cezarina!) e tenha vingado a morte de Júlio, talvez tenha sido líder da revolução na França. Emma era complexa demais para ter uma vida só, escolheu ela ter todas. Talvez eu seja Miles que John Green escreveu e só queira entender minha Alasca. Eu poderia passar todos os dias da minha vida falando sobre tudo que eu imaginei sobre - e com - Emma em todas as noites que fiquei olhando o teto do meu quarto.

Eu queria ter o poder de voltar no tempo, para naquela tarde que ela me mandou embora, eu ter dito algo. Acho que talvez ela não saiba muitas coisas que eu nunca tive a chance, e a coragem de falar. Acho que nunca contei para ela que eu gostava de como o cabelo dela ficava quando ela saia do banho e deixava secar sozinho, ou que realmente aquela camiseta do The Smiths (que eu perdi em algum lugar) fica melhor nela do que em mim. Talvez se eu tivesse tido antes que aquela foi a minha primeira vez, e que nunca teve outro na minha cama. Ela não sabia, mas aquela foi a minha primeira vez também, e tudo não passou de um grande mal entendido. Mas, ela não me deixou explicar, eu congelei, eu não sabia o que estava acontecendo. Eu me senti em queda livre: o chão do paraíso se abriu aos meus pés e eu caí.

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