XIII - Nice to meet you

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Verônica sentiu o ar encher seus pulmões enquanto despertava vagarosamente no dia seguinte. Ela tomou consciência do corpo de Anita envolvido em seus braços, ainda de costas para ela, mas bem aconchegada em seu abraço. Instintivamente, a escrivã a puxou para mais perto, apertando seu abraço. Ela puxou o fôlego, enchendo suas narinas do aroma de Anita. Verônica sentia todas as suas entranhas se contorcendo ao se lembrar das coisas que falara para a delegada na noite anterior, como se alguém estivesse bagunçando seus intestinos com uma faca afiada. Jamais iria se perdoar pelo que fizera.

Nunca imaginou que Anita tivesse passado por algum tipo de agressão, qualquer que fosse; se soubesse, nunca, sob nenhuma hipótese, teria dito as coisas que dissera. Mas foi um erro ingênuo, um erro de principiante da parte de Verônica não considerar isso. Já estava calejada de saber que sempre é mais seguro assumir que o trauma de uma pessoa existe e agir com cautela ao redor dessa conclusão, ainda que essa conclusão esteja errada.

Principalmente se tratando de uma mulher brasileira - para quem essa realidade era praticamente unânime.

Para além disso, era muita ingenuidade da parte de Verônica não chegar a uma óbvia conclusão de que Anita pudesse ter experenciado tipos diversos de abuso durante a vida. Uma mulher que se interessava por mulheres com uma personalidade forte e irredutível em uma carreira prioritariamente masculina, machista e intolerante - era apenas lógico que tivesse passado por alguma coisa.

Mas Verônica não conseguiu fazer esse raciocínio simples e óbvio, estava completamente cega pela sua raiva. Anita sempre a desestabilizava, fosse para um lado ou para o outro. E como resultado, ela jogou na cara de uma vítima de violência a falsa verdade de que ela jamais conheceu essa violência e por conta disso nunca conseguiria ter empatia por aqueles que conhecem.

No final, quem havia subido em um pedestal havia sido Verônica.

E agora, ela sentia um inchaço ardente na bochecha como consequência dessa sua arrogância.

Ainda afogada em pensamentos e em culpa, a escrivã sentiu uma diferença na respiração da delegada que descansava entre seus braços. Parecia que Anita já estava acordando.

Verônica permitiu que a delegada se ajeitasse em sua posição, ainda de olhos fechados e sonolenta, mas já desperta. Sabendo que Anita acordara, a escrivã afundou o nariz no pescoço da delegada.

- Desculpa. - Sussurrou ela, apertando o abraço - Desculpa.

Essas foram as primeiras palavras que Anita escutou ao acordar, vindas da boca de Verônica, que a acolhia com um abraço apertado e aquecedor. Mas, ainda assim, as palavras que ouvira ontem ainda a machucavam.

Racionalmente, a delegada sabia que Verônica não tinha a menor ideia do que tinha acontecido com ela, então não teria desferido tais acusações necessariamente com a intenção de atingi-la, não vinham de um lugar que tinha como propósito um ataque pessoal, para magoa-la de maneira baixa com o que com certeza a atingiria. Mesmo assim, foram coisas muito difíceis de ouvir. Mesmo assim, fora falta de tato de Verônica.

E, no fim, tudo escalara até o ponto de Anita dar um tapa na cara da escrivã - o que também a machucava. Não gostava de ter chegado aonde chegou, de ter se descontrolado a esse ponto.

Verônica afundava ainda mais o rosto na dobra do pescoço de Anita, roçando seu nariz na pele sensível da delegada. Mesmo tentando evitar e abstrair, Anita estava começando a sentir cócegas.

- Para. - Pediu ela, um sorriso involuntário começando a surgir em seu rosto, enquanto Verônica continuava com o mesmo movimento - Você vai me fazer rir e eu quero ficar brava com você. - Ela acabou soltando uma risadinha.

FogoWhere stories live. Discover now