Liberdade!

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— Então, um dos nossos garçons acabou de pedir demissão. — Laura contou. — E não queremos que Arthur volte a servir mesas, não é, meu bem?

— Se tivesse que servir, eu serviria, você sabe. — Deu risada. — Mas você é um poço de ciúmes.

— Você é simpático demais. — Respondeu com uma careta. — Não precisa da metade dos sorrisos que você distribui.

— Um garçom tem que ser simpático, minha deusa. — Micael deu risada observando os dois. — Eu não tenho culpa se sou um pequeno pão doce.

— Um pequeno pão doce? — Laura arremessou nele o celular. — Pra de falar bosta, Arthur.

— Eu só tenho olhos pra você, Minha tchutchuca. — Brincou mais uma vez.

— Até parece, reparou que a Sophia é desbundada como se estava apenas olhando pra mim?

— Tá com ciúmes até da Sophia? — Cruzou os braços e encarou a namorada. — Fala sério, tem gente demais disputando aquela ali.

— Não tem ninguém disputando nada. — Ele se intrometeu. — Não vem virar essa briguinha boba pra cima de mim.

— Não fale nesse tom com o seu patrão. — Arthur falou sério e apontando o dedo, por alguns instantes Micael duvidou que era só brincadeira. — Estou te zoando, viado.

— Pareceu bem sério. — Olhou ainda sem rir. — Na cadeia a gente aprende a respeitar a menor autoridade que for.

— Ah fala sério, Micael.

— Olha torto pra um agente, pra tu ver a surra que vem. — Contou rindo. — Você tem ideia de como aquela porra de cassetete dói?

— Do jeito que você fala, parece que realmente apanhava todo dia. — Laura deu risada e o viu continuar sério. — Um tanto dramático.

— Apanhei muito no início, depois eu virei o cuzão que batia. — Gargalhou e olhou os amigos incrédulos. — Senão obedecer o chefe do lugar, quem apanha é a gente, sinceramente eu prefiro bater do que apanhar.

— Você bateu em gente inocente a troco de nada? — Arregalou os olhos e ouviu o moreno bufar.

— Gente inocente? — Ergueu um sobrancelha. — Ninguém lá é inocente.

— Você era. — Arthur reparou e viu o amigo negar com a cabeça.

— Você que acha. — Deu uma risada sem vida. — Enfim, eu fazia o que me mandavam, o importante era sobreviver. Eu, Gil e Bruno a gente tacava o terror naquele lugar. Lógico que tinha mais gente, mas quem se importa?

— Olha amor, Micael formou uma quadrilha na cadeia. — Laura debochou. — Entrou um cidadão de bem, saiu com formação em capanga.

— Debocha mesmo amada. — Os três riram. — Não é qualquer um que aguenta aquilo lá. — Tirou a camisa e os dois olharam com surpresa.

— Puta merda, você está coberto de cicatriz. — Laura botou a mão na boca. — Mas que caralho. — Ele vestiu a camisa de volta.

— Estou dizendo a vocês, aquilo é um inferno. Ou você se junta com o mais forte e bate, ou então fica sozinho apanhando.

— Muito que bem, obrigado pelas dicas, mas não acho que vou precisar. — Arthur cruzou os braços. — Não estou pretendendo ser preso.

— Eu estava, né?

— Está bem, vamos mudar de assunto? — Laura bateu palminhas. — Micael, você já regularizou todos os seus documentos?

— Tudo em dia, ando com tempo livre. — Brincou.

— Sendo assim, traz pra gente assinar tua carteira pra você apresentar lá pra mulher.

— Vânia. — Disse o nome com raiva, mas logo voltou aí assunto. — E eu começo quando?

— Está muito ocupado? — Arthur perguntou apontando pra televisão.

— Não estou nem vendo isso. — Pegou o controle e desligou. — Era só pra encher a mente de algo.

— Então vamos lá e comece hoje. — Os três ficaram de pé. — Começamos a preparação pra abrir por volta de onze da manhã. — Foi explicando enquanto desciam. —  Abaixamos as portas as onze e meia da noite, mas só fechamos de fato quando o último cliente vai embora. É uma carga horária puxada, pagamos um pouco mas do que o salário mínimo.

— Está tudo ótimo. — Reforçou, empolgado por ter um emprego. — Só de ter algo pra ocupar a mente o dia inteiro já me alivia. — Parou e pensou um pouco. — Estou em condicional, tenho que estar em casa antes das dez.

— Ih, é verdade! — Arthur levou as mãos a cabeça. — Mas não se preocupa, quando você sair eu fico pra ajudar o Luiz.

— Vocês são os melhores amigos do mundo! — Avisou e lhes deu um abraço. — Prometo não decepcionar.

— Se você não pegar uma gatinha, vai estar decepcionando. — Laura brincou. — Bora, Micael. Reage! — Lhe entregou o avental, o uniforme veriam depois. — Qualquer coisa, Luiz te ajuda, ele já está ciente, tá bem?

— Está ótimo! — Os dois entraram de mãos dadas e deixaram ali um Micael empolgado para servir mesas.

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Naquela noite e em todas as seguintes, Micael ficou no hall, esperando ser mais de meia noite pra entrar. Quase um mês havia se passado e Vânia só dizia que estava "vendo e agilizando" a troca de endereço, quando na verdade não parecia estar fazendo nada.

Já ia completar dois meses de soltura e ainda morava de favor com Augusto e Sophia, era castigo demais.

Na manhã de sexta feira, ele estava tão cansado da noite anterior que não conseguiu sair da cama às seis, pra fugir dos amigos. Quando se deu conta, já eram mais de oito e tinha certeza que os veria na mesa do café.

Fez sua higiene matinal e caminhou pra fora do quarto. Parou escondido atrás de uma pilastra, com visão para a mesa do café quando ouviu a voz de Sophia falar empolgada.

— Amor, que bom que te vi antes que saísse. — Deu uma corridinha e o abraçou por trás. Ele estava sentado e ganhou um beijinho na bochecha. — Tenho um assunto sério pra falar.

— Assunto sério oito da manhã? — Empurrou a caneca do café, tirou os braços de Sophia do pescoço e então a encarou. — Tenho até medo, fale, meu amor. — Micael sentiu raiva ao vê-los, se bobear não ia superar nunca.

— Eu estava pretendendo contar de um jeito fofo! — Micael sentiu a garganta fechar na hora, não sabia o que era, mas imaginava. — Mas acontece que não tenho paciência nenhuma pra isso. — Micael viu quando ela tirou o que parecia um teste de farmácia de dentro do bolso do robe. — Estou grávida! — Contou animada.

— É sério que já vamos ter um bebê? — Disse alto e se levantou para abraça-la. — Que notícia maravilhosa!

— Eu amo você.

— Eu amo você muito mais. — Augusto disse antes de selar os lábios nos dela.

Micael conseguiu morrer dez vezes mais, não sabia nem que era possível, afinal, já se sentia morto por dentro fazia tempo. Saiu na ponta do pé e voltou pro quarto, não arriscaria sair nesse momento, não se sentia preparado pra enfrentar os dois e lhes dar parabéns sem que demonstrasse o quanto odiava o pequeno bebê.

O coitado do bebê que não tinha culpa de nada, devia sentir ódio de si, devia sentir ódio de Augusto, devia sentir ódio de Sophia. O talarico e a safada. Já dizia Gil.

Micael fez a mala, pouco se importando se o endereço havia mudado ou não. Iria embora daquele inferno, precisava se libertar. Perto das onze, tomou coragem e saiu do quarto, não viu nenhum dos dois á vista, deixou a chave no balcão da cozinha e bateu a porta ao sair. Era isso, precisava ir embora e ser livre. Agora a sua vida começaria de verdade.

Aquela NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora