5. Be Brave

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19 e 12 anos, essa era a idade dos irmãos. O garoto, o mais velho. A menina, a mais nova. Fugiam juntos. Fugiam da terra que levara seus pais tão cedo. Que logo os levaria. Fugiam da fome. Fugiam da falta de oportunidades. Fugiam da indigência.


Deserto. Mar. Fronteira. África. Europa. A morte iminente.


Há quatro dias andavam com uma caravana pela Deserto do Saara Argelino. Castigados. O irmão, na maior parte do tempo carregando a mais nova em suas costas. Sabia que ela não aguentaria muito tempo naquelas condições se não fosse daquele jeito. Força.


A pequena tinha sede, o estômago de tão vazio nem reclamava mais.


- Água. - Ela pediu, a voz saindo baixinho, já fraca.


O irmão a desceu. Sacou a garrafa com água contada e despejou um pouco do líquido na boca dela. Mas pouco mesmo. Precisava ser assim. Ou passariam pela grave situação de sobreviver sem água naquele local tão hostil. Ele sabia que ninguém na caravana daria nada a eles...


- Podemos ir. Já estão na nossa frente... - A menina pediu. Reanimada.


Contudo, mesmo com a caravana se distanciando deles, o rapaz preferiu recuperar o fôlego. A vontade de sacar o que tinha em sua mochila era imensa. Isso não saia de sua cabeça. Mas precisava ser sábio e sabia que ainda não era hora.


Voltaram a caminhar. A menina de mãos dadas ao irmão. Em algum tempo alcançaram a caravana.


Noite. Frio. Fome.


Pararam em algum lugar estratégico e se alimentaram com todo mundo. Alimento, no caso, era igual a uma farinha misturada com banha de javali. Altamente nutritiva. O que os mantinha vivos. Dormiram. O irmão protegendo a irmã.


Dia. Sol. Vento. Areia e um caminho pela frente. Bichos peçonhentos. Cobras e escorpiões. Esperança de atravessar o deserto e o mar. A esperança de adentrarem o continente dos sonhos e viver uma vida melhor e esquecer dos momentos de sobrevivência.


O sol se punha de um lado e nascia de outro. O irmão já chamava aquilo de dança da luz. A projeção das sombras o encantava. A caminhada entrara no seu sexto dia. Finalmente, faltavam menos de vinte quilômetros até o mar. O cheiro característico já era sentido no ar. Uma embarcação aguardava por eles. Até o meio dia chegariam. A felicidade de uma nova vida irradiava de dentro do rapaz. Tinha certeza que chegariam lá...


- Sede. Água. - A menina pediu.


Dessa vez ele deixou a irmã beber o quanto ela quisesse. Em pouco tempo teriam mais. Ela sentada no chão, ele de joelhos, sentado nas próprias panturrilhas.


Descansava. Descuidou-se. Perigo.


Sem perceber, o inseto adentrou sua calça. Sentiu algo mexer em seu tornozelo. Bateu ali. Ação e reação. Veio a picada. A dor lancinante. Pânico!

Era um escorpião negro bem jovem. O veneno bem mais letal que dos mais velhos. O irmão sabia o que aquilo significaria. Deu um forte abraço na irmã. O último. Não queria acreditar que aquilo estava acontecendo.


Já tonto com as neurotoxinas, o rapaz colocou sua mochila surrada nas costas da irmã. Com os gestos na língua de sinais, disse para ela correr atrás da caravana, que ele e os pais cuidariam dela de onde estivessem, que ela deveria ser alguém que eles tivessem orgulho e que com a idade que ela tinha, ela não poderia ser expulsa da Europa, que ele a amava muito e que a morte não era o fim, que ela precisaria ser brava, corajosa e forte e por fim disse ainda que na mochila estavam guardados algumas barrinhas de kitkats - roubados - e que ela deveria comer escondida ou a matariam por aquilo.


Por fim, ele deu um empurrão na menina. Impactada. Ela, chorando, virou-se e saiu correndo atrás da caravana. Olhou para trás e viu o irmão fazendo gestos para que ela corresse e não virasse mais de costas...


Ela não viu o momento em que o irmão tombou morto no chão quente.


Horas depois, chorando, a pequena entrou na embarcação.




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