1. Curta Companhia

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O rapaz tinha uma lista em mãos. 50 coisas para fazer antes de morrer. No momento, passava um risco sobre o item 39: escalar um paredão. Sentia-se feliz por estar completando a lista. Viu o número 40: dar um presente para um desconhecido. Então, sem mais o que fazer naquela noite, resolveu completar aquele item.

Desceu do quarto e foi até a cozinha. Varreu o lugar com os olhos. Uma ideia. Abriu a geladeira, apanhou uma torta de chocolate intocada. Sabia que aquilo estaria ali.


Entrou no carro. A torta e a sua lista no banco ao lado. Dirigiu até o centro da cidade, encontraria alguém para presentear. Alguém faminto, de preferência.


...


A jovem de longos cabelos castanhos ajustava a cinta-liga por debaixo da pequena saia. Seria mais uma noite em quase um ano. Estava cansada. Mas era honesta consigo mesma, precisava ir. Deu um sorriso fraco. Uma vez leu em algum lugar que o mero ato de esticar os lábios e músculos do rosto no intuito de sorrir, mesmo que sem vontade alguma, era de grande efeito positivo. E ela adotou aquela prática: sorrir.


...


Os olhos do rapaz passeavam pelas calçadas da avenida, pelas beiradas dos prédios, por cada semáforo. O carro movia-se devagar. Viu um senhor debaixo de uma marquise. Parou o veículo e saiu em direção ao homem sujo que, com medo, levantou-se depressa e correu. O jovem acabou rindo da situação.


- Primeira tentativa: fracassada. Mas vamos lá, deve ter alguém com fome por aí.

Saiu com o carro. Poucos metros adiante avistou algo deslumbrante, diferente de qualquer coisa que procurava naquela noite. Uma jovem. Uma garota de programa. "Tão linda", disse a si mesmo. Devagar, contemplando a moça, aproximou-se com o veículo.

Lembrou-se do item 47, passar uma noite com uma garota de programa e falar sobre a vida com ela. Nesse momento, o número 40 perdera o sentido e ele replanejou seus atos.

Parou em frente a jovem e desceu o vidro.

- Boa noite. - Ele disse, amistoso.

A moça respondeu. Uma curta conversa.

Os dois partiram, o carro acelerando.


...


Motel. Roupas tiradas as pressas. Respirações aceleradas. Beijos como exceção. Suor.


Transaram por um tempo considerável.


- Obrigado. - O rapaz disse. Ambos ainda cansados, na cama.

Numa situação cotidiana a moça já estaria no banho, pronta para ir embora. Contudo, algo diferente aconteceu ali. Nunca ouvira um obrigado em quase um ano. Não que fosse necessário. Mas nessa noite, nessa companhia, ela ouviu.

O rapaz tomou a mão dela, ainda deitados e deu um leve beijo. Notou o arrepio que correu o corpo da jovem.

- Você já tem que ir embora? - Ele perguntou.

- Você me pagou por uma noite toda. Esqueceu-se?

- Quero que você fique a vontade...

- Posso ficar contigo. - Ela retrucou, passando as mãos pelo cabelo dele.

Beijos. Sexo oral. Mais suor.

O rapaz saíra correndo do quarto. Voltara mais rápido ainda, com uma torta. O que ambos fizeram com ela, só quem limpou o quarto do motel pôde saber.


Mais uma noite juntos. Uma outra noite. Um jantar. Pagou por uma semana com a companhia dela. Achando que o tempo não era suficiente, pagou por mais duas semanas.

- Gosto da sua companhia.

Ela sorriu.

- Você é um caso raro. Tão jovem, tão bonito, tão bacana. Qualquer um adoraria...

- Talvez elas fiquem assim quando descobrem tarde demais um tumor do tamanho de uma bola de ping-pong na cabeça. Isso é sério. - Ele disse, a interrompendo.

Longo silêncio. A moça sem reação. Sem saber o que dizer.

- Não precisa procurar palavras de consolo. Agora não resta mais tempo para isso. Tenho pouco mais de um mês aqui, ainda.

A jovem podia ver a verdade daquelas palavras no fundo dos olhos escuros dele.

Deitou-se sobre o seu tórax. Acabaram dormindo juntos.


Mais dois dias. O rapaz apresentou a garota para sua familia como sua namorada - ambos sabiam que isso não era verdade, nem necessário, mas queriam estar bem nesse tempo.

Tornaram-se grandes amigos. Fizeram uma curta viagem juntos. Fizeram outra, e mais outra. Do café da manha, ao almoço, jantar e o lanche na madrugada, eles estavam juntos.

- Obrigado pela sua companhia. Pelo sexo. Pela mentira que contamos pros meus pais. Obrigado pelo segredo que estamos compartilhando.

Ela o encarava, imaginando como tudo poderia ser se fosse diferente.


...


Sábado. Balada. Bem próximo ao lugar onde se encontraram pela primeira vez.

- Você tem mais energias pra gastar que 20 caras juntos.

Os dois saíram da boate às gargalhadas. Estava quase amanhecendo.

- Você que é uma sem fôlego. - Ele disse, olhando em volta, caçando o carro. - Ahh! Não acredito que estacionei longe...

Estacionou na rua de trás da boate. Tudo ao entorno estava lotado quando chegaram.

- Vamos lá, mister energia!!!


Chegaram ao carro e encostaram-se nele, os amassos eram fortes.

Uma voz ríspida, desconhecida, a principio. O rapaz sentiu o metal gelado na sua cintura.

- Chave do carro e grana.

O rapaz se virou, a moça atras dele. O revólver apontado.

- Só tenho 100 aqui, agora.

- Caralho! Pra pagar a puta você tem, né? Essa daí é das caras!

A moça reconheceu o assaltante.

- E você, curte filho de papai, né? - Gesticulava com o revólver apontado para ela. - Esse daí tem mó pinta de veado... nem deve te comer direito! - Tinha um riso sádico. - Agora me fala, o patrão ta com grana aí?

- Deve estar com o que ele disse...

- MENTIRA!

- Amigo, calma. - O rapaz falava, tentando acalmar a situação. - Podemos sacar num banco aqui perto, agora.

- Calma é o caralho, quero a grana agora! Sei que você tem!

O jovem temia perder os dias que ainda tinha. Respirou fundo.

- O dinheiro não me importa... mas não tenho mais aqui! Preciso sacar... ou buscar em casa, mas calma, por favor.

- Porra, meu irmão! Quem manda aqui sou eu... e não vamos em lugar nenhum sem essa grana!

A moça interveio.

- Calma, por favor. Vamos resolver isso... eu tenho um pouco em...

Tiro. Peito do jovem. Grito da moça.


O assaltante empurrou a garota e revistou os bolsos do rapaz, pegou a carteira, o dinheiro e foi embora.

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