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Com a inesperada ajuda de Priya, Kieran finalmente conseguiu se livrar da perseguição dos guardas e acabou indo parar no quarto de uma casa muito pequena e simples que Priya dividia com outras quatro mulheres do ramo. Se os gemidos improvisados da mulher tinham sido altos no meio da viela suja para enganar o guarda, os barulhos que vinham de dois dos quartos da casa conseguiam superar altos níveis de incapacidade de atuação.

― Acho que não preciso dizer para não ligar para os barulhos, Mago.

― Na minha atual situação, é música para os meus ouvidos. ― respondeu Kieran, parando no final de um corredor apertado no primeiro piso da casa, quando Priya abriu a porta de madeira que rangeu para dar espaço para que ele entrasse.

― Pode se esconder aqui por enquanto, eu já volto.

Kieran concordou com um aceno de cabeça e entrou no quarto, encostando a porta ao passar. Mesmo numa casinha simples como aquela compartilhada só por meretrizes, as janelas eram altas o suficiente para deixar que a luz do luar iluminasse o pequeno quarto parcialmente. Kieran podia cobrir o quarto todo em quatro passos largos, o chão de madeira rangia, havia uma cama encostada à parede, uma mesinha pequena com um candelabro com uma chama fraca que estava em vias de se apagar e um espelho grande perto da janela aberta. Ele se aproximou da janela grande, com o batente baixo, ele podia até se sentar ali se quisesse, e observou o movimento nas pequenas ruas que tinham sido palco da sua fuga.

Comparado à visão que ele tivera do topo do Palacete de Harta, dali ele podia ter uma visão bem melhor de como era a vida das pessoas simples da cidade, para além das construções majestosas das casas dos nobres. Arcallis ainda parecia um reino mais rico do que Brymoor, de longe, até aquelas pequenas ruas e casinhas humildes eram mais limpas do que Kieran estava acostumado, era o tipo de lugar que ele conhecia muito bem e onde se sentia estranhamente confortável.

Kieran se afastou da janela quando viu, nas ruelas mais distantes, o movimento dos guardas habilidosos que lhe procuravam e trocavam informações entre si. De fato, comparado àqueles que tinham lhe perseguido depois do roubo da coroa, a situação em que ele se encontrava agora era mais crítica. E só naquele momento ele levantou a mão para ver o anel do conselheiro que ainda estava no seu indicador. Aquele anel, para além da coroa, parecia ter sido motivador mais intenso da fúria do conselheiro, ou será que, em algum momento daqueles últimos dias, ele também descobrira sobre o relicário?

A linha de pensamentos do ladrão foi interrompida quando ele ouviu o som da porta se abrindo de novo, anunciando o retorno de Priya. A mulher entrou no quarto e fechou a porta com o calcanhar, trazendo em uma das mãos um outro candelabro que queimava mais intenso e uma cesta de palha na outra. Ela também tinha se livrado do corpete que ressaltava as curvas, e além do vestido leve que alcançava a metade das canelas, estava também com uma echarpe em volta dos ombros que tinha bordados bonitos e delicados em fios dourados. Parecia uma peça estranhamente fora de lugar ali naquele pequeno quarto, era quase como se tivesse saído do próprio castelo.

― Vai me ajudar aqui ou vai ficar só olhando? ― Priya reclamou, apontando para a cesta.

― Opa. Que cavalheiro eu, hm? ― Kieran fechou as janelas para não correr o risco de ser avistado a distância e cruzou o pequeno quarto para pegar a cesta que ela trazia. Priya aproveitou as mãos livres para afastar o candelabro cuja chama estava quase apagando e colocar o novo no meio da mesa. ― Onde eu coloco?

― Pode deixar na cama, me ajude a puxar a mesa pra perto.

Kieran fez o que ela instruiu mais uma vez, e no instante seguinte, os dois estavam sentados lado a lado no colchão duro da cama, a cesta sobre a mesa de madeira, os itens iluminados pela luz do candelabro. O ladrão não hesitou em dar uma olhada ali dentro, curioso, para ver que havia alguns pedaços de pano e faixas amarelados pelo uso e pelo tempo, um frasco de vidro com um conteúdo pela metade, um outro frasco de barro com uma rolha e uma garrafa que Kieran bem conhecia ser da cerveja produzida no reino. Além deles, ainda havia um pedaço de pão enrolado num pano de prato.

O Ladrão dos 13 Corações [Parte I] [Concluída]Where stories live. Discover now