[ X I V ]

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"Estranho" era uma boa palavra para definir aquele momento. Kieran cruzou os corredores desertos do enorme castelo, servindo de apoio para um Avestan que estava quase dormindo em pé, resistindo bravamente a se render ao cansaço que o ladrão não tinha entendido completamente ainda. Com um braço em volta do corpo do regente e o braço dele sobre os seus ombros, Kieran o encarou de lado mais de uma vez, observando o rosto com marcas de exaustão de perto, a ponto de se questionar onde, naquela imagem, ele podia intitular o outro de Anjo da Morte.

Alguns momentos atrás, um terror intenso tinha tomado conta do corpo de Kieran ao sentir o efeito da magia assassina bem de perto, quando os mercenários foram atingidos nos limites do território do castelo. O homem responsável por aquela magia destrutiva estava exatamente ao seu lado, e desde que o tinha visto pela primeira vez, ele nunca parecera tão mortal. O contraste era gritante, e por mais que Kieran quisesse que aquela magia fosse o seu fim glorioso, havia peças importantes faltando naquele quebra-cabeças para que pudesse entender quem era o Anjo da Morte de fato, e quem era Avestan Verethragna. Acima de tudo: se os dois eram um só.

O trajeto até o quarto do regente foi tão silencioso quanto a noite calma, e ao abrir a porta, Avestan dispensou a sua ajuda, endireitando a postura para andar a passos lentos dentro do quarto. Kieran fechou a porta depois de entrar nos aposentos e observou as manchas de sangue que tinham marcado as roupas brancas de Avestan. Não eram nada comparadas ao banho de sangue de quando ele voltara da guerra, mas revivia a lembrança. Kieran deu uma boa olhada nas próprias mãos e roupas com o fedor de suor e sangue, e deu uma olhada pontual para o lado do quarto separado por uma simples divisória onde ele sabia que ficava a banheira.

― Acho que vou roubar a sua banheira essa noite, majestade, você não pretende usar agora mesmo, não é? ― ele questionou, já levando as mãos até os fechos da própria roupa, para tirar o cinto de couro primeiro. ― Embora eu não tenha nada contra companhia, se quer saber.

Mais uma vez naquela noite, a resposta de Avestan não veio em palavras. Ele só levantou uma mão num aceno breve, consentindo para o que quer que Kieran fosse fazer, e seguiu o trajeto no quarto até se acomodar numa das poltronas. A mão que tinha acenado, ele levantou até os fios de cabelo, tirando o primeiro prendedor dourado para começar a desfazer as tranças muito lentamente.

― A oferta da banheira continua de pé, hein. ― Kieran ainda adicionou, antes de se livrar das peças superiores de roupa.

Ele não esperou que a banheira enchesse, só ligou as torneiras douradas e, com as mãos, levou a água até o rosto e os cabelos, se livrando do excesso de sangue que estava começando a lhe incomodar. Se livrou das botas e a calça, também sujos de terra, suor e sangue, e terminou de se lavar ainda sem esperar que a banheira terminasse de encher. O silêncio do quarto era quebrado só pelo som da água correndo, e naquela noite vazia, ele percebeu como devia ser um lugar solitário. Era familiar.

O som da água correndo cessou quando ele fechou as torneiras, os últimos rastros de sangue diluídos escorrendo pelo ralo no fundo da banheira. Kieran se levantou, pegando uma das toalhas brancas e felpudas, muito bem dobradas no móvel ao lado da banheira, e enxugou o corpo superficialmente, deixando a toalha sobre a borda da banheira. Ele não se importou em vestir as peças de roupa sujas, andou descalço e nu pelo cômodo até pousar os olhos no regente de novo, agora bem acomodado numa das poltronas ao lado da cama, os cotovelos nos braços da cadeira, enquanto a cabeça pendia levemente para a frente, os olhos fechados e o cenho franzido no que parecia uma expressão adormecida bem inquieta.

De novo, era estranho que aquele homem, tão aparentemente vulnerável, tivesse a fama de um assassino implacável. Kieran cruzou o pequeno espaço dentro do quarto e se aproximou o suficiente para apoiar as mãos nos braços da poltrona, inclinando-se até o rosto estar perigosamente perto do de Avestan. Não houve qualquer resposta ou reação do regente e Kieran continuou encarando muito de perto o belo rosto marcado pelas olheiras fundas.

O Ladrão dos 13 Corações [Parte I] [Concluída]Where stories live. Discover now