[ V ]

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A magia estava começando a fazer sentido. Kieran aproveitou a estadia no castelo e sentou para conversar com alguns dos criados mais amigáveis aqui e ali, o que lhe deu um entendimento um pouco maior sobre como funcionava a tal magia que já tinha experimentado em diversas formas. Ele não esperava que um simples jardineiro lhe desse tantos detalhes quanto o velho Borya, por exemplo, que parecia um criado de longa data e letrado ― por isso, provavelmente, ele desaprovava tanto a sua presença ―, mas Gunne lhe deu algumas informações valiosas para um jovem rapaz que só cuidava dos jardins.

Gunne já morava no castelo há mais de vinte anos, tinha crescido ali, então ele já tinha presenciado o que as pessoas da cidade gostavam de comentar sobre os banhos de sangue e corpos estraçalhados na entrada do castelo. Aquela tal magia que protegia o rei de ameaças, protegia também o castelo, e a maior reclamação de Gunne era que era muito difícil de limpar sangue dos gramados, além de deixar a vegetação doente. Já fazia muitos anos que aquilo não acontecia porque, claro, ninguém mais se atrevia a tentar invadir o castelo, exceto Kieran.

A conversa casual com o jardineiro se estendeu na mesa do café da manhã com os outros criados, e alguns até adicionaram informações interessantes para o ladrão sobre como o rei também conseguia usar a magia para restaurar coisas quebradas e danificadas dentro do castelo. Aquilo explicava bem por que é que os corredores estavam intactos depois das primeiras invasões do ladrão. Ninguém soube explicar, entretanto, aquilo que ele tinha experimentado na biblioteca, com uma pancada de força invisível que tinha lhe arremessado para fora do cômodo sem lhe deixar com qualquer ferimento. Kieran imaginou que se alguém além do próprio rei pudesse explicar aquilo, seria o tal Borya, o que era improvável de acontecer, mesmo que perguntasse com carinho.

Mas entre toda a conversa que ele dispendeu com alguns dos criados ao longo do café da manhã na cozinha, o que mais lhe chamou atenção foi que nenhum deles parecia temer o tal Anjo da Morte com todas as histórias sanguinolentas e infames que o precediam. Ao contrário, o clima de animação no castelo era contagiante, e todos os criados pareciam estar muito bem em seus trabalhos e cumprindo suas funções sem qualquer receio do que o regente assassino impiedoso poderia fazer a eles. Talvez Kieran pudesse creditar a animação ao fato de que o rei não estava no castelo, como Gunne tinha dito mais cedo, ele tinha partido para defender a fronteira de uma possível invasão ao sul, e sobre aquele assunto, o ladrão só descobriu mais detalhes quando finalmente voltou à cidade no meio da manhã.

Os rumores e boatos sobre como a disputa na fronteira sul, com o reino de Ohad, tinha se agravado, estavam correndo a cidade cada vez mais. Kieran tinha deixado aqueles rumores passarem despercebidos aos seus ouvidos, tão interessado estava em invadir o castelo e atingir o rei para conseguir o seu desfecho glorioso. Mas agora que ouvia mais detalhes sobre como a guerra tinha ficado intensa e o próprio rei tivera que sair do seu castelo para encerrar a disputa, foi tomado por uma sensação de curiosidade, em querer estar na fronteira para presenciar os efeitos destrutivos daquela magia ofensiva capaz de derrubar fileiras de homens com um só golpe.

Mas Kieran decidiu ficar na capital e ouvir mais dos comentários sobre o progresso da guerra enquanto esperava que o regente retornasse. Podia passar o tempo roubando coisas menores, mas não havia nada em Zahi que fizesse jus às suas alcunhas, então, o ladrão só sentiu o tédio tomar conta até receber a notícia de que a disputa na fronteira tinha se encerrado com a vitória indubitável de Arcallis.

Mais de dez dias tinham se passado desde a última visita de Kieran ao castelo, foi só então que chegaram as notícias na cidade de que as tropas já estavam retornando à capital, assim como o rei, que tinha retornado ao castelo. Naquele início de noite, o clima em Zahi era de celebração, mas Kieran fugiu de todos os festejos comemorando a vitória para seguir pelo trajeto conhecido até o castelo, onde o clima era tão pacato quanto das primeiras vezes em que tinha invadido. A celebração não chegava até o castelo do Anjo da Morte, é claro.

O Ladrão dos 13 Corações [Parte I] [Concluída]Där berättelser lever. Upptäck nu