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O rastro de sangue parecia infinito. A primeira coisa que veio à mente de Kieran ao ver a quantidade de sangue no caminho a sua frente foi a lembrança de um Avestan também banhado em sangue dos pés à cabeça depois de retornar da guerra. A segunda coisa que lhe passou na cabeça foi que talvez os rumores sobre os perigos de se aproximar do castelo não fossem tão exagerados, ao clamarem que muitas pessoas tinham morrido estraçalhadas só de se aproximar do castelo. Mas aqueles alertas em sua mente não foram o suficiente para deter seus passos, movido pela adrenalina, pela curiosidade e principalmente pelo ímpeto de ter uma morte que faria jus às suas alcunhas, ele continuou o caminho mesmo sobre as poças de sangue.

Ao alcançar os terrenos do castelo, pouco antes da entrada principal e a menos de dez passos de distância de si, Kieran avistou o que parecia apenas o resto de corpos humanos dilacerados, com pedaços de músculos, ossos e órgãos espalhados sobre as poças de sague fresco que escorriam pelos caminhos de grama e terra. Pela segunda vez, ele hesitou em continuar o percurso, levando uma das mãos até o rosto para minimizar o cheiro forte de sangue e morte.

― Que merda...

Kieran podia não estar acostumado a campos de guerra, mas ele já tinha visto a sua porção de mortos para se impressionar apenas até um certo limite. Dos corpos dilacerados ao chão, ele identificou o que provavelmente tinham sido três homens, com as peles e músculos cortadas de um modo tão preciso que nem o cavaleiro mais habilidoso com a melhor lâmina do continente seria capaz de executar. Caídos ao chão, os restos mortais estavam alinhados de um modo muito específico, como se, ainda em vida, tivessem sido incapazes de ultrapassar certo ponto no terreno do castelo, impedidos por uma parede invisível. Apenas o sangue se espalhava em todas as direções e tornava a cena inteira ainda mais perturbadora.

O ladrão passou mais tempo do que pretendia avaliando os corpos e os rostos desconhecidos, e talvez fosse um pouco do instinto de sobrevivência dizendo para não cruzar aquela linha imaginária que alinhava os corpos ao chão. Mas ele estava decidido a morrer, e já tinha passado por aquele mesmo caminho para o castelo mais de uma vez. Fosse movido pela coragem ou pela idiotice, ele resolveu finalmente dar o primeiro passo. E o segundo. E o terceiro. Quando percebeu que já tinha andado o suficiente para estar muito à frente dos corpos, engoliu em seco, num misto de ansiedade, confusão e adrenalina, afinal, ainda estava inteiro.

As pegadas de sangue marcaram metade do caminho de Kieran pelos jardins do castelo até a entrada principal. Ele seguiu pelo trajeto inteiro tão intacto quanto tinha entrado, e ainda lançou vários olhares para trás como se precisasse confirmar que os corpos continuavam lá, inertes e cheios de sangue, como um aviso muito macabro do que esperava qualquer pessoa que passasse dos limites do castelo.

Havia um sentimento confuso em Kieran à medida que ele seguia o caminho conhecido dentro dos amplos corredores. Ele ainda não entendia inteiramente como funcionava a tal magia de Avestan, e em toda a sua carreira de ladrão, visitando todos os quatro cantos do continente, ele não tinha esbarrado em mais do que alquimistas charlatões e mágicos de feira. A magia de Avestan era real, de um jeito que despertava todos os seus instintos, e lhe perturbava o fato de que se a magia do rei tinha sido responsável por aqueles restos de invasores na entrada do castelo, por que se recusava a lhe dar a morte gloriosa que tanto almejava? Onde estava o Anjo da Morte impiedoso, assassino, implacável de todas as lendas?

A passos firmes, Kieran seguiu direto até o quarto de Avestan, dando-se a liberdade de entrar nos aposentos do rei sem nem bater. A hesitação que ele teve na entrada do castelo não aconteceu diante da porta do quarto do regente. Ele simplesmente entrou e deu uma boa olhada ao redor, para encontrar logo a silhueta do rei parado próximo a uma das enormes janelas, observando o horizonte com bastante atenção. As roupas dele ainda eram as mesmas daquela tarde, a capa cheia de detalhes e adornos estava estendida atrás dele e o corte no meio do tecido dava quase a impressão de que era mesmo um par de asas fechado. Era uma imagem impecável e bela para ser de um agouro de morte. Daquela tarde, a única coisa que faltava era a coroa, porque até mesmo as tranças tinham sido refeitas.

O Ladrão dos 13 Corações [Parte I] [Concluída]Where stories live. Discover now