O devorador

O quarto capítulo

3.600 palavras

A noite ainda, de fato, não havia acabado; o silêncio da madrugada, da estrada e da Floresta da Aldeia, tinha sido interrompido por um grito de pavor, de desespero por sobrevivência. Mas ninguém ouviu e se existiu, ninguém viu.

Mas eram as reações naturais de quando se encara a morte, reações de um ser humano e de seres humanos, as pessoas costumam sentir falta, sentem a ausência e principalmente quando se trata de uma jovem desaparecer. Uma jovem que tinha ido a Griselda cursar agronomia, uma vez que não havia essa opção na cidade vizinha, de onde ela vinha. Tinha crescido em uma cidade cinco vezes maior que Griselda, com seus mais de cem mil habitantes e mais opções de lazer, com mais história, a princípio e maior mercado de trabalho. Ela não via a hora de terminar sua faculdade e voltar para sua cidade natal. Mas, enquanto moradora da pequena Griselda, buscava se divertir com o que tinha ao seu alcance, e o Bar do Dônel era uma das melhores opções, se não a menos tediosa.

Era um lugar que pessoas serenas e bonitas frequentavam, um rock'n'roll antigo sempre tocando baixinho, as janelas ao lado das mesas, bem grandes, abertas, e arejando todo o local. Fora a simpatia do Dônel, a moça gostava de frequentar e ser bem tratada, ser recebida sempre com um largo sorriso. No início, ela até pensou que o Dônel poderia estar de interesse pra cima dela, o que não seria novidade, não para ela, sempre muito bem vista pelos colegas da faculdade, sempre muito desejada e sempre sendo convidada para as melhores festas promovidas pelos caras mais populares.

Ela já tinha ido certa vez à sua cidade natal, mas sem avisar aos seus pais, pois tinha sido convidada por um dos caras da faculdade que as suas amigas mais desejavam. Um cara bonito, alto, atlético, jogava futsal e dedicava todos os seus gols a ela - quando ela se encontrava nas arquibancadas. Tinham ido os dois, a amiga que sempre a acompanhava e que adorava saborear uma única caipirinha em todas as noites que saíam e outro rapaz interessado na amiga dela.

— Eu conheço um lugar onde a gente pode fumar... coisas que nossos pais odiaram nos ver fumando! - O rapaz dizia naquela noite, quando saíam de Griselda e ele finalmente decidira contar o que iriam fazer na cidade vizinha.

— Eu não tenho o costume de fumar. - Ela ia dizendo, mas sem querer parecer recatada, nunca tinha sido essa a sua maior preocupação. - Mas não me nego a experimentar nada nessa vida!

— Espero que não seja perigoso... - disse a amiga dela no banco de trás, levando investidas do amigo do rapaz, e ela, apesar de tímida, também não queria jamais que pensassem que era puritana.

— Perigoso? - respondeu a amiga no banco do carona, levando a mão à coxa direita do rapaz. - Eu acho que o maior perigo está aqui dentro do carro... - Olhava maliciosa para o seu interesse sexual, mas sem esquecer de sua amiga. - Vai com calma aí atrás... ela é virgem!

Sob monossílabos de admiração e diversas gargalhadas, a moça tinha ficado toda sem jeito, dando tapas e mais tapas no ombro da colega, raivosa por ter sido exposta de tal forma. Ela, de fato, era puritana. Gostava de esconder um pouco a rebeldia para não assustar demais as pessoas, mas nunca havia tido e muito menos mantido relações sexuais com algum cara. Sua amiga sabia disso, e usar isso para zombá-la era muita sacaganem.

O resultado do passeio tinha sido um coma alcoólico; o narguile tinha levado à maconha, e por fim, a beber whisky com energético, o que chamavam de kit nas cidades grandes. A moda ainda não havia chegado com força em Griselda, que se preocupava sempre em manter as tradições de uma boa cerveja gelada ou de uma cachaça quase em combustão. Seus pais souberam que ela estava internada quando contatados devido ao estado em que ela tinha sido encontrada na tal casa que o bonitão os havia levado. Sua amiga há muito já tinha ido com seu ficante a outro lugar, um lugar mais reservado e bem distante de onde estavam, onde o rapaz tinha pago por uma noite inteira para aproveitarem uma suíte temática.