O quinto capítulo

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3.100 palavras

Teria sido um funeral tranquilo, não fossem as justificáveis intempéries de uma mãe enterrando a filha.

Debruçada sobre o caixão fechado, a pobre mulher não lamentava apenas a filha perdida, mas os sonhos perdidos dela própria. Aqueles que tivera para Sofia, o esforço que tivera, as horas extras de trabalho para dar-lhe sempre o melhor do que comer e vestir. Sonhara para Sofia um futuro profissional de estabilidade e paz. Só ela e Deus sabiam o quão desesperadoras foram as horas que a filha tinha passado inconsciente em coma alcoólico no hospital da cidade onde moravam, aonde ela havia ido clandestinamente.

Mas ali, a havia perdido de vez. E em algo em sua mente lhe dizia que toda a dedicação não tinha sido em vão, pois Sofia tinha sido uma boa pessoa, alegre e de muitos amigos. E havia ainda outra vez, ou talvez a mesma, que dizia àquela mãe, que tinham lhe tirado a sua filha.

O velório transcorreu na Sala Velatória Municipal, um lugar amplo, no mesmo quarteirão da Prefeitura, mas na rua adjacente à esquerda... Tinham ido poucas pessoas, maioria eram colegas e amigos que conheciam Sofia do curso na Faculdade, que tinham certa afinidade, embora fosse visível o oportunismo. Nádia via muito disso em tragédias; pessoas distantes do/a defunto/a, mas que iam ao velório para falar alguma pérola, falar que a pessoa em questão era uma boa pessoa ou contar histórias longínquas e desconexas com o que era visto como padrão da pessoa em questão.

Nádia estava bem na porta ao lado da grande coroa de flores mandada pela direção da Universidade. Observava o caixão fechado - não era viável ou possível deixá-lo aberto, o que era visivelmente mais doloroso para os pais de Sofia. Havia muitos curiosos do lado de fora, além da imprensa, de repórteres da rádio local e os demais griseldenses. Mateus havia chegado há pouco ao lado de Nádia e bebericava um café que havia se servido em copo térmico na entrada da Sala Velatória. Estava fardado, assim como ela e com o rosto mais amistoso que ela.

— O que foi apurado até agora? - Mateus perguntou a Nádia.

— Aqui... meio que não é lugar para falarmos da investigação. - Ela lhe respondeu, sem nem virar o rosto para o colega.

— O estado dela foi algo que eu nunca tinha visto... - ele prosseguiu - mesmo que eu já tenha visto algumas coisas nesse pouco tempo de profissão.

— Há coisas mais terríveis. Ainda que ver um corpo despedaçado em uma floresta seja realmente chocante.

— Corpo de uma jovem, universitária... saudável, bonita, com toda uma vida pela frente.

— Sei disso. Os familiares sabem, os amigos da faculdade sabem... não quero que ouçam você comentar sobre o caso, fique quieto e vá prestar condolências! - Nádia pegou o copo de café da mão de Mateus e começou a tomar.

O colega se retirou em direção à mãe de Sofia, que acariciava a tampa do caixão como se fosse a pele da filha, tendo uma expressão de plena desolação. De longe, Nádia o observou cumprimentá-la com cordialidade, o que não era inerente ao rapaz no cotidiano. Até o viu abraçando a mulher com ternura. Pode ouvir de seus lábios que "a polícia de Griselda trabalharia dia e noite para solucionar o caso e trazer à justiça quem quer que fosse o responsável". Como se o culpado fosse algo humano ou minimamente natural, pelo que Nádia estava começando a conjecturar.

Ela sentiu outra presença ao seu lado. André estava à paisana, usando qualquer que fosse uma de suas camisas polos pretas e bermudas de sarja bege. Sapatênis. Cabelo penteado em um topete arrepiado, brilhando em gel. Típico, Nádia pensou, como sempre pensava quando via o amigo nestes trajes.

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⏰ Last updated: Oct 11, 2023 ⏰

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O devoradorWhere stories live. Discover now