Kim

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A densidade do entardecer úmido atravessou seus pulmões, provocando uma sensação de letargia assim que abandonou o estúdio de gravação. A caminhada até seu carro fez metástase com o pesadelo da insônia e a fadiga emocional, transformando-a em algo ainda mais miserável, logo quando acreditou que se sentir pior não era possível. Ignorou a dor em suas articulações o melhor que pôde no momento em que, involuntariamente, pôde ouvir a fricção rítmica dos ossos de seu joelho direito a cada passo.

Suspirou larga e pausadamente, quando, sem sequer tentar, notou os homens de preto posicionados em diversos pontos nos seus arredores. Nenhum estava remotamente próximo e era evidente que não ser óbvios demais estava no top 3 de sua lista de prioridades, sendo superada unicamente pela necessidade permanente de manter Kim a salvo em todo momento, empurrando sua própria segurança para segundo plano.

A distância que o separava do automóvel reduziu a apenas alguns metros. Lambeu os lábios ressecados e engoliu em seco, buscando umedecer um pouco sua garganta que parecia como se tivesse comido algo feito puramente de areia, rochas e sal marinho. Quando escassos dez passos o separavam do Maserati Levante cor grafite, os dois homens que aguardavam na vanguarda já haviam reposicionado, um tomando o assento do motorista e outro estava frente a porta traseira, prestes a abri-la ao seu serviço.

Desviou sua visão periférica, por inércia observou como os outros três homens que protegiam seus flancos, sem deixar de escanear os arredor, a rua, bancos e tetos com a habilidade de aves de rapina, tomavam direção ao grupo de veículos em que se locomoviam, intercalados entre outros estacionados na mesma rua. Com o olhar para a frente, cruzou a porta aberta sem citar palavra alguma, ignorando a reverência que Big fez antes de fechá-la atrás dele.

O ar condicionado aplacou o calor e a umidade que se condensou sobre sua pele sob a forma de uma capa de suor incômoda e ligeiramente pegajosa; foi um paliativo que aliviou seu mal estar físico; a comodidade do assento, a dor em suas coxas, lombar e joelhos.

Não podia esperar para chegar em casa e tomar uma merecidíssima ducha fria; pensou, relaxando devido a vibração produzida pelo ronronar do motor em seu tímpano. Conseguiu ouvir as portas das outras SUV's fechando-se ao longe. Uma, duas, três... quatro. Eram só ele e Tad na Levante, Big já havia se unido a Ken e a outro par de homens. Não disse nada, com as mãos semi abertas sobre o colo, escutou quando uma das caminhonetes passou em frente à sua e em seguida, a Tad, seu guarda-costas principal e condutor designado, pisar o pedal do acelerador seguindo-a. Não precisou virar-se naquela direção para saber que a terceira Levante os seguia. A configuração sempre era a mesma, ele no centro com Tad, Pod e Kit na vanguarda; enquanto Ken e Big assumiam a retaguarda.

De Kim já não restavam rastros do jovem que alguma vez foi. Aquele que às vezes imaginava uma vida normal, uma vida em que ler Sun Tzu e lembrar de cabeça sua obra "A Arte da Guerra" pudesse ser um hobby e não uma necessidade. Já tinha aceitado que essa não era sua vida e que nunca seria sua realidade. Já não se incomodava com a ideia de sempre estar acompanhado, por mais solitário que parecesse. De sempre ser observado, analisado e protegido. Não tinha medo, estava certo de que até seu pior inimigo era consciente que o único valor que Kim possuía para qualquer um que quisesse machucá-lo, era estando vivo. Muitos queriam um pedaço dele, mas diferente de Kinn, poucos o queriam morto, porque ele só era útil enquanto estivesse respirando. Obviamente, isso era um equívoco claro e Kim sabia disso.

- Precisa dormir - escutou a voz grave e plana de Tad inundar o interior do automóvel, reverberando contra o vidro fumê das janelas, os assentos de pele e o câmbio, mesclando-se com o zumbido do ar frio que escapava pelas frestas de ventilação sobre sua cabeça. Levantou o rosto, encontrando-se com o olhar de Tad que o observava através do espelho retrovisor. Estalou a língua.

Te conheço? (KimChay+18)Onde histórias criam vida. Descubra agora