Capítulo- 1 - Maicon

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"Doce de criança"

Termino de colocar a última forma no forno, retiro das mãos minhas companheiras, as luvas térmicas, e as jogo em cima do balcão um pouco impaciente. Minha cabeça está a mil, e dói desde cedo. Preciso conseguir o restante do dinheiro para a matricula da faculdade do curso de gastronomia. Eu não queria gerar mais despesas, mas minha avó insiste em dizer: que se eu quero ter meu próprio negócio preciso me preparar, estudar, e me tornar um grande chefe de cozinha, e nessa profissão a concorrência é grande.

- Maicon, você já tem experiência da prática, só lhe falta um diploma e algumas técnicas atuais...tudo o que eu não posso te ensinar.
Ela diz com sua voz fina e baixa se aproximando da cozinha.

- Vovó, tudo que sei, aprendi com a melhor, e não tem ninguém que cozinhe tão bem quanto a senhora. Posso rodar o mundo inteiro, que suas massas, seus doces sempre serão os meus preferidos e ganha de lavada dos mais renomados chefes. Pode acreditar! - falo entrelaçando meus braços por trás em volta do seu pequeno pescoço já marcados pela idade, e dou-lhe um beijo no rosto. Eu sou bem mais alto que ela, foi fácil vê-la sumir em meu abraço. Ela acomoda sua cabeça de lado em meu ombro, fecha os olhos, dá leves toques em meu braço e sorri.

- Seu mentiroso descarado. Não precisa me bajular tanto só por querer doce de amendoim dessa velha - ela diz adivinhando meu antigo truque de criança.

- Imagina...como poderia ser tão abusado, hein vovó? Sabe, me conhece tão bem, que nem precisou eu confessar isso?! Chego sentir o delicioso sabor de amendoim torrado com açúcar caramelado...

- Ah tá, tá, já chega! Vou fazer! pegue aquela panela ali para mim por favor - ela aponta para a escolhida, se rendendo, saio correndo para buscar.

- Agora mesmo, antes que a senhora mude de ideia - sorrio me divertindo

Ela também sorri. Paro para olhá-la e fico por uns instantes, ver esse sorriso largo, foi como uma nuvem de boa energia, e que me trouxe uma pitada de esperança.

Terminado de assar todas as broinhas, as deixo esfriarem para embalar, e assim fiz com rapidez, já estava próximo do lanche da tarde, meu segundo turno para sair para as vendas.
Organizei tudo na pequena caixa de entregas, calcei o tênis, e fui me despedi da minha avó

- Não esqueça o casaco e o guarda-chuvas mocinho, sabe que o tempo nessa cidade é de veneta, e parece que vem temporal por ai...

- Está certo, vou pegar no meu quarto e saio em um minuto- abri meu guarda roupa que não tinha tantas opções, mas peguei a menos gasta e o guarda- chuvas e sai.

Logo na descida da rua, passam alguns vizinhos e os cumprimento, não conhecia muitos deles mas um bom vendedor precisa no mínimo ser simpático e conquistar o território.

(...)

O sol estava quente e já tinha andado bastante, chegando na primeira loja da grande avenida, entrei para oferecer as broinhas, a moça disse estar com uma aparência boa, mas foi só isso que consegui dela... não ia desistir era só a primeira tentativa da hora.

Continuei a caminhar, depois de vinte tentativas enfim alguém se dispôs a comprar e dali em diante.
Sorri feito um bobo por já ter conseguido vender cinco das 10 que preparei. Resolvi estender o horário para terminar as vendas, mas quando me dei conta, já estava perto da faculdade que ia estudar.
Alguns estudantes estavam em grupos na entrada, e fui chegando cada vez mais perto, talvez alguns deles esteja com fome e compre alguma. Quando cheguei perto do primeiro grupo, todos muito bem vestidos, me olharam com desdém, apesar de eu não estar sujo nem com roupas rasgadas, foi como se estivesse. Eu vestia uma calça de moletom preta, camiseta azul marinho e um boné e o tênis também preto. Tudo de liquidação da loja popular do centro.
Já me acostumei, não era a primeira vez que saio nas ruas tentando ganhar o sustento, dignamente, mas sofrendo muito preconceito também, por ser cozinheiro e vendedor de porta a porta.

O Despertar do Paladar: 5 Sabores Onde as histórias ganham vida. Descobre agora