PARTE II - CAPÍTULO 6

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— Não vejo razão para suspender. Por quê?

— Nada. Apenas comentando. Não quero que se sinta obrigada a  nada, meu amor. Apesar da minha preocupação você é uma mulher livre para fazer o que quiser, não é?

Fiquei remoendo essa última fala dele procurando identificar algum "quê" de ironia. Mas nunca tive certeza. Como já disse: um duelo em palavras e ele sempre parecia vencer.

— Claro, sou uma mulher livre! Nunca pensei o contrário.

Assenti secando os lábios com o guardanapo. E talvez a ironia não estivesse nas palavras do meu marido e sim no contexto. Eu era uma mulher livre que vivia no alto de uma colina em uma casa gigantesca e sem propósito, com um sinal pífio se internet e completamente esquecida de tudo. Sem qualquer parente a princípio e o único que parecia me querer bem era Caleb. Fora os seguranças que vez e outra eu via rondando a propriedade — Caleb disse que já haviam tentado invadir a mansão antes.

Óbvio! Essa era a ironia. Eu era livre fisicamente, porém refém do que meu marido dizia. E não em ordens ou conselhos: Caleb me
Conhecia melhor que eu mesma ou pelo menos dizia conhecer. Ele detinha minhas memórias e dependeria dele até conseguir recuperá-las.

Caleb voltou seu olhar ao Jornal e um silêncio sepulcral nos envolveu pelo resto do café. Fiquei observando meu marido e envolta em
Tais pensamentos tentava julga-lo: mocinho ou vilão? Príncipe ou sapo? Herói ou bandid*o?

Muitas coisas não se encaixavam.

Era uma questão de raciocínio simples: Caleb poderia ter a mulher que quisesse. Rico, poderoso, bonito, Sex*y e jovem. Um combo perfeito para qualquer homem se divertir como se não houvesse amanhã. E não que eu fosse feia. Bem vestida eu sabia que possuía atrativos. Mas me sentia muito aquém daquele homem, que falava mais de três línguas e tocava piano.

Por que eu? Por que ele escolhera a mim como esposa?

— Como nos conhecemos, querido? — Quebrei o silêncio abruptamente.

Caleb voltou com seu olhar escuro para mim e sorriu. Uma luz parecia surgir em sua face.

— Quase te atropelei um dia. Você atravessava a rua indo para casa e eu passei em alta velocidade. Ao perceber o que fiz, parei meu carro para prestar ajuda...— Ele parecia feliz e saudosista — Aí você disse que não precisava e foi embora.

Estava impaciente tamborilando com os dedos pela mesa. Era tomada por uma inveja —  inveja por ele lembrar-se dessas coisas e eu não. Queria tanto ter minhas memórias de volta!

— E depois? Fui embora e ... ?

— Ah, eu não esquecia seu rosto. Foi algo estranho. — Caleb pegou uma uva — Eu não sabia nada sobre você. Fiquei um tempo passando pela sua rua para ver se te encontrava, mas nada! Aí passei a fazer umas coisas que não seriam bem vistas atualmente...

O barulho dos meus dedos tamborilando na madeira da mesa fichou mais intenso.

— O que fez?

Ele riu de novo mastigando a uva.

— Invadi sua casa.

Eu franzi o cenho.

— O quê?  — Procurei atenuar minha indignação.

— Ah, havia dias que você não aparecia. E como sempre rondava seu quarteirão, percebi movimentações estranhas. Bateu uma paranoia de talvez alguém ter feito algo com você... — A voz dele saia abafada pela mastigação — Aí tive a brilhante ideia de invadir uma propriedade privada. Que no caso, era a sua.

— E me encontrou?

— Sim, encontrei. Você dormia. Estava tão linda? Parecia um anjinho! Era só uma paranoia achar que tinha te feito mal— Seus olhos eram vagos, mirando as lembranças.

Ao ouvir essa parte senti um arrepio. E se ele estivesse no meu quarto enquanto eu dormia? Será? Pois Se ele fora capaz de invadir minha casa, obviamente Caleb não veria problemas em velar meu sono no quarto que era ao lado do dele.

Passaria a trancar a porta do meu quarto antes de dormir.

— E o que fiz, Caleb? Acordei e agradeci por um estranho invadir a minha casa a noite? Te convidei pra um chá da madrugada?

Caleb gargalhou ao escutar minhas palavras irônicas.

— Não, não. Talvez tenha sido um pouco pior. Eu aluguei uma casa em frente a sua. Aí viramos vizinhos. E vizinhos podem se apaixonar, não podem?

Ele mentia. Os olhos permaneciam fixos, mas o riso de canto de lábio era involuntário e as palavras nem sempre continham a emoção certa. Ou eu delirava. Não era uma perita ou um polígrafo. Mas tinha pressentimentos. Sensações. E ele não estava falando a verdade.

— Sim. Vizinhos podem se apaixonar. — Concordei.

Mais do que mentir , como eu presumia, aquele homem sabia que eu suspeitava dele. E chegava a ser irritante, pois parecia que era uma diversão para ele me ver instável e confusa. Como alguém que nunca seria pego após pregar uma peça em alguém.

— Mais suco, senhora? — Cassandra estava ao meu lado com uma jarra cheia.

— Não. Obrigada.

Olhei para toda aquela comida e logo pensei : de que adianta não tomar aqueles remédios? Quem me garante que toda essa comida não está cheia de substâncias e aditivos?

Se não recuperasse minha memória logo eu ficaria louca.

~*~

Pela tarde Caleb me levaria ao Jockei na Gávea. Os mesmo amigos do jantar do dia anterior estariam lá e suas esposas também. Pra variar, Cassandra trouxera o look do dia: vestido florido longo e um chapéu.

Escovava os dentes quando ouvi uma gritaria vinda do jardim. Apressei-me até a janela e afastei a cortina.

Uma mulher loira gritava agressivamente com Caleb.

— Você a matou! Você a matou!!!!! Seu cretin*o!! — A estranha batia com socos no peito de Caleb - Vai pagar por tudo!! Não ficará impune.

Meu marido não dizia nada. Foi questão de segundos até seguranças conterem a mulher e arrasta-la para fora da mansão.

Corri para longe da Janela assim que ele me fitou fixamente lá debaixo. Não sei se Caleb ficaria feliz por saber que eu xeretava os acontecimentos naquela casa.

APAIXONADA PELO MEU ASSASSINO?Onde as histórias ganham vida. Descobre agora