A Promessa de Grisha

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Contei exatamente catorze dias desde que fui inocentada. Ainda me lembro nitidamente de Levi brandindo o jornal em mãos, onde as letras garrafais exibiam o nome de nosso antigo comandante assim como qualquer que seja o outro que levou a culpa de todos os meus crimes. Independente da voz constante no fundo dos meus pensamentos que me diz incansavelmente que o que eu fiz foi errado, não pude deixar de receber a notícia com um sorriso enquanto suspirava mais do que aliviada nos braços de Levi.

O Reconhecimento apareceu três dias depois para o meu suposto resgate e não pude estar mais feliz por poder voltar para casa e para perto dos meus amigos. Mesmo que ainda houvesse uma dúvida cruel sondando meus pensamentos dia e noite, fiz o possível para a ignorar, mas as palavras do meu pai escritas naquelas páginas amareladas pareciam chamar por mim inexoravelmente.

Encaro o teto do quarto, iluminado apenas pelo brilho prateado da lua que vem do lado de fora. Ainda não deveria ser nem mesmo oito horas da noite, mas partiríamos de madrugada para a 54ª expedição para fora das muralhas e, segundo Levi, deveríamos ir dormir cedo. O mesmo se encontra adormecido ao meu lado, se recusando a dormir no próprio quarto desde o tempo que passamos juntos em Trost.

Não consigo evitar um sorriso ao fita-lo adormecido, mesmo que com o cenho ligeiramente franzido e, algo que parece preocupação. Um de seus braços está ao redor da minha cintura quase que de forma protetora, firme enquanto me mantém imóvel. Meus olhos ardem em cansaço e me pergunto quantas pessoas irão morrer amanhã, se alguma delas será Levi, eu ou alguém que eu ame. Sinto a fina camada de lágrimas se formar no canto dos meus olhos e não permito que escapem, tentando me manter otimista como Erwin havia pedido.

–– Sofia, você está bem? –– A voz solene de Erwin se faz audível e me viro para o encarar. –– Parece distante desde que voltou.

Suspiro enquanto aperto o diário do meu pai nas mãos, cogitando para mim mesma se deveria contar sobre ele a Erwin, decidindo não o fazer ao me lembrar o que aconteceu com o seu próprio pai. Erwin acreditaria no que quer que esse livro diga e não mediria esforços para descobrir se é realmente verdade. Entretanto, não quero o ver morto como um traidor.

–– Só estou abatida. –– Minto, e o olhar do loiro assume que ele sabe que não digo a verdade, mas também não insiste. –– Também estou apreensiva com essa expedição.

–– Tente não ficar. Precisamos ser otimistas. –– Ele responde, encarando a vista da janela ao meu lado. –– Nós vamos ficar bem.

As palavras de Erwin martelam a minha mente assim como seu olhar curioso que caía sobre mim. E se meu pai soubesse de alguma coisa importante? E se ele tivesse contado a Grisha algum segredo sobre o que há além das muralhas? Ou talvez ele tenha feito algum estudo que possa nos ajudar a vencer os titãs algum dia. E se esse livro fosse a chave para evitar tantas mortes? Penso nos corpos sem vida de Hange, Mike, Erwin e Levi; e se algo acontecer a eles e todo esse tempo eu pudesse ter evitado?

Não.

Prendo a respiração por um momento e me levanto devagar, afastando o braço de Levi do meu corpo com cautela para não o acordar, agradecendo internamente por ele estar exausto o suficiente para dormir tão profundamente. Dou uma última olhada nele antes de abrir o armário de madeira devagar, deslizando as pernas para dentro de um par de calças e vestindo uma camisa clara, apanhando na escrivaninha encostada na parede o maldito diário e uma capa antes de sair para os corredores silenciosos do quartel.

Todos parecem ter ido dormir cedo e minha mente não consegue parar de pensar que esse silêncio tão característico das vésperas de expedições se instala ao nosso redor em antecipação pelo luto acerca daqueles que sabemos que não irão voltar para casa conosco. Meus pés parecem seguir o caminho para fora do quartel quase que sem que eu perceba.

O Rouxinol - L. AckermanWhere stories live. Discover now