Descoberta

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–– Eu acho que sim.

Minha voz sai em um fio e me deixo escorregar pela parede até me sentar no chão de pedra, fitando a rua vazia enquanto sinto Levi se aproximar e se sentar do meu lado. O garoto não diz nada por algum tempo e permanecemos em silêncio, encarando o céu noturno enquanto faço questão de segurar as minhas lágrimas. Uma rajada forte de vento passa por nós arrastando algumas folhas de árvore que começam a cair com a chegada do inverno e sinto um arrepio percorrer a minha espinha.

–– Eu escutei o que Keith disse. –– Levi quebra o silêncio e viro o rosto para encontrar o seu. –– Acho que todos nós já precisamos fazer algo que não queríamos para sobreviver.

–– No começo não era tão ruim. –– Dou de ombros, suspirando. –– Eu roubava documentos, no máximo. Me vangloriava de ser tão boa nisso! Caía nas graças de Keith e ainda conseguia pagar os remédios que o meu pai precisava. Mas depois que ele morreu... Tudo ficou pior. Pensei em deixar o Reconhecimento várias vezes mas eu fiz uma promessa a ele.

Levi se mantém em silêncio e posso escutar sua respiração pesada por alguns instantes antes que ele volte a falar.

–– Ninguém deveria fazer promessas. –– Ele desvia o olhar para um grupo de adolescentes que passa por nós, rindo entre si, despreocupados.

–– Meu pai era diferente de todas as pessoas que conheci. Ele sonhava com um mundo além dessas muralhas. –– Sorrio com ternura ao me lembrar dele. –– Em seus últimos anos, ele só falava disso. Terras que não conhecíamos e um oceano além dos muros.

–– Oceano?

–– É um lago enorme com água salgada! Dá pra acreditar nisso? –– Me viro para Levi, despreocupada em esconder o meu entusiasmo ao falar sobre isso. –– Entrei no Reconhecimento porque tenho esperança de ver esse mundo um dia.

Silêncio.

–– Você acha mesmo que podemos ganhar? –– Levi parece incrédulo por algum tempo.

–– Acho. –– Assento devagar para o garoto, fazendo uma pausa curta por um instante. –– Algum dia, alguém vai ser capaz disso. Não podemos ficar presos aqui para sempre.

O outro parece ponderar e dá de ombros, no fim das contas. Me pergunto no que Levi poderia estar pensando enquanto as orbes acinzentadas refletiam a iluminação fraca do entorno e um longo suspiro deixou seus lábios. Meus dedos se enroscam uns nos outro enquanto os entrelaço e separo repetidas vezes, sentindo a ansiedade tomar conta de mim ao me lembrar das ordens claras de Keith. Matar Nile? Não, não seria possível. De forma alguma. Me lembro que nosso último encontro não passou de uma briga muito feia e que por pouco não tocamos socos um com o outro na frente de toda a turma de cadetes.

–– Você não pode ir para o Reconhecimento! –– Nile gritava a plenos pulmões, atraindo todos os olhares para nós. –– Não com aqueles porcos preguiçosos.

–– Disse o homem que vai viver ás custas dos outros na Polícia! –– Gritei de volta, deixando as lágrimas caírem pelo meu rosto enquanto me aproximava dele. –– Por favor, Nile. Não se separe de nós.

Entretanto, ele permaneceu irredutível. Os fios escuros de seu cabelo balançavam com a brisa noturna e seus olhos não se desgrudaram dos meus por um único momento. No fundo eu sabia que não passava de um instinto puro e primitivo de sobrevivência, mas a arrogância na voz de Nile ao falar sobe o Reconhecimento foi o suficiente para que eu me desse por vencida e deixasse os ombros caírem, me virando para ir embora.

–– Adeus então, Nile. –– O fio de voz saiu fraco da minha garganta e caminhei na direção oposta a ele junto de Mike e Erwin, proibindo a mim mesma de olhar para trás.

O Rouxinol - L. AckermanWhere stories live. Discover now