Limites

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Eu ignorei a ligação de Will naquela noite. Não tinha cabeça para me martirizar por ele depois daquele jantar. Eu queria dormir feliz, como eu me sentia depois de ter me despedido de Percy. Piper fora embora com os dois, e Jason viera ao meu quarto dormir comigo, como sempre fazia quando eu passava por alguma situação que me fragilizava de alguma forma. Ele ignorou a ligação assim como eu, e colocou suas inseparáveis músicas com som de chuva e tempestade para dormirmos. Eu costumava odiar aquele maldito som de trovão, mas agora era o som de casa. De lar.

Jason me acordou no domingo as 18 horas sob discursos de "eu pensei que você tava morto" "você já é mal nutrido, precisa comer alguma coisa" e por ai foi. A verdade é que era a primeira vez que aquilo me acontecia, conseguir dormir por tanto tempo, sem acordar nenhuma vez durante a noite e me sentir verdadeiramente descansado ao levantar-me... parecia irreal. Eu me senti tão bem que até consegui ignorar toda a história do Will durante o que restou do meu domingo.

Percy me mandou mensagem por volta das 20h – aparentemente na casa dele não existia um Jason para acordá-lo do melhor sono da vida dele – contando que sua mãe queria me conhecer agora. Percy não parecia ter entendido que eu só conseguia dar um passo de cada vez, o que na minha língua significava um a cada três meses – tempo suficiente para ter me recuperado de quais queres danos psicológicos e decepções que sair da minha zona de conforto tinha me ocasionado.

Mandei emojis rindo como resposta e esperei que ele notasse meu desconforto e não insistisse no assunto por hora. Jantei não muito depois disso e voltei para a cama, queria dormir mais. Eu tinha esquecido o quão bom e gratificante era dormir. Sentia que não precisava de Percy mais para isso (pelo menos não fisicamente), porque agora ele era uma parte de mim, e estava comigo sempre.

*

Segunda feira estava caótico, uma manhã fria e nublada que te fazia desejar poder fundir-se com as cobertas e fingir inexistência, e particularmente eu desejava inexistir naquele momento. Eu e minha cama estávamos nos dando muito bem para eu ter de abandoná-la para enfrentar o estresse de uma cafeteria as oito horas de uma manhã gelada. Aquele era um terreno inóspito em dias assim.

Como eu ficava doente com muita facilidade, dias assim eram uma festa para meu sistema imunológico, portanto Jason estava preparado com o kit anti-resfriado, que era composto por casacos pesados, cachecol, luva, touca e qualquer coisa de lã que ele encontrasse e pudesse enfiar pelo meu pescoço. Eu tive que lembrá-lo que eu precisava ser capaz de me mexer para servir as pessoas e ele desistiu do terceiro casaco. Era em momentos assim que eu pensava que Jason deveria ter um filho para poder cuidar e amar da forma – exagerada – que ele gostava, porque cuidar de mim estava sendo desgastante demais... para mim.

A mudança de clima me deixara tonto. Por entre tanta lã eu estava alucinando com cabelos loiros esperando em frente a porta do café ainda fechado. O problema era que Jason parecia estar tendo a mesma alucinação, porque olhava de mim para a figura com um grande olhar interrogativo... e um tanto divertido.

- Bom dia! – A roquidão da voz estava mais acentuada na manhã fria. Combinava ainda mais com ele. Provavelmente não era o momento de pensar que ele estava incrivelmente sexy.

- Bom dia! – Jason deu o ar da graça, porque eu estava mais travado que a coluna de um idoso. – Bom, vou arrumando tudo lá dentro, fiquem à vontade para conversar. – E aproveitou para me jogar aos lobos. – Mas coloca a sua luva direito, ou você vai ficar doente. – Aproximou-se de mim para vestir a luva que eu havia tirado da mão direita. Eu estava tão incrédulo que não fiz nada até que ele tivesse entrado no café e me largado no frio com o loiro que havia me dado um fora doloroso a nem dois dias atrás.

- Bom dia! – Ele repetiu.

- Bom dia! – Consegui me forçar a dizer. A verdade é que por mais que ele tivesse me ligado no dia anterior, nem mesmo passou pela minha cabeça que ele fosse vir a me procurar pessoalmente. Eu me senti acuado, e creio que deixei isso perceptível – na minha voz, no meu olhar e na minha expressão corporal – o que fez Will perguntar:

- Você está bravo comigo? – Eu não respondi. Eu não estava bravo com ele, estava comigo mesmo com confabular e criar vãs esperanças sobre algo que claramente não era o caso. – Percy estava certo, você está mesmo bravo comigo. – Sua voz estava murcha, dando a parecer que a situação o deixava chateado. Mas por quê?

- Não estou bravo com você, porque Percy disse isso? Você tinha o total direito de não querer ir, ainda mais depois que eu... – Não terminei a frase, estava constrangido.

- Não querer ir? Do que você está falando? Percy não avisou que eu tive um imprevisto urgente? Eu não fui porque não pude, mas ainda assim havia prometido ir, por isso você está no seu direito de estar bravo. – Explicou. Ele parecia exaltado por não ser capaz de elaborar tudo de uma forma mais coesa. De qualquer forma, não parecíamos estar falando da mesma situação. – Eu vim pedir desculpas por não ter ido no sábado. Por não ter tido tempo de avisar antes e te deixar bravo.

- Eu não estou entendendo um puto de nada, essa é a verdade. – Exasperei-me. – Você realmente tinha algum lugar para ir? Não era só uma desculpa porque eu passei dos limites da última vez e entendi tudo errado? Não é você que está bravo aqui? – Eu estava tão perdido e frustrado.

E a ponta do meu nariz começara a congelar.

- Eu bravo? Você passar dos limites? É isso que você pensou? – Will estava perplexo. Tanto que bagunçava os cabelos loiros furiosamente, como se tentasse organizar o que quer que estivesse acontecendo na cabeça dele. Eu esperei que ele estivesse pronto a continuar enquanto tentava fazer o sangue voltar a circular no meu rosto, esfregando-o para esquentá-lo.

Mas eu nunca teria conseguido alcançar a eficácia que Will teve, ao se aproximar segurando minhas bochechas com ambas as mãos e colando nossos lábios. Meu rosto de repente estava em ebulição.

- Você pode ultrapassar qualquer limite que você quiser. Se quiser criar novos limites, fique à vontade também. Achei que tivesse deixado claro o suficiente, eu tô REALMENTE a fim de você, sacou?

Akai ItoDär berättelser lever. Upptäck nu