Brownies

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Naquela mesma noite fui capaz de conhecer um pouco mais da extensão que nossa conexão possuía ao passar duas horas insone encarando a parede sem reboco do quarto. Sem nada para me distrair vi-me preso em meus pensamentos ruminantes, dúvidas infundadas, medos incabíveis, completamente refém da minha ansiedade. Desejei aquela sensação esmagadora e acolhedora que tive mais cedo, e inconscientemente levei minha mão direita ao fio – agora translúcido novamente.

Pedi por qualquer coisa que me fizesse desligar, que me permitisse descansar... e foi instantâneo. A sensação veio quente bem na boca do estômago e então vi-me perdido em um mundo longínquo no domínio dos sonhos – era feito de doces e todos encantadoramente azuis.

Foi a primeira vez em meses que senti o impacto de um sonho reparador. Eu quase podia me sentir verdadeiramente bem ao desejar bom dia a Jason. "Talvez aquele fosse ser um bom dia" – cheguei a pensar, aturdido.

**

O café passou por uma manhã caótica, o que significava que sobrariam brownies para levar para casa depois – o segundo indício para um bom dia.

Piper tinha uma entrevista de estágio naquela tarde e Jason parecia ter absorvido e multiplicado por quatro o nervosismo que deveria ser dela. Enquanto ela disfrutava de seu café e bolinhos com a tranquilidade de um monge, Jason já havia quebrado três xícaras – descontadas diretamente do nosso humilde salário.

- Sua namorada é uma judoca faixa preta, ela vai deitar nessa entrevista. Agora se comporte como um namorado do nível dela por favor. – Reclamei bem-humorado enquanto recolhia os destroços da quarta xícara.

- Minha alma está no nível dela! Meu emocional é só um detalhe. – Jason respondeu trazendo jornais para embalarmos a porcelana quebrada. Ele nunca foi do tipo que xinga, mesmo quando está sendo incomodado com esse propósito.

Piper riu a distância em uma coincidência tão surreal que automaticamente procurei o maldito fio vermelho invisível aos meus olhos que parecia de alguma forma conectar os pensamentos daqueles dois. Jason aparentava ter o fio entre os dedos, e algo em meu olhar o fez sorrir.

- Já começou a sentir?

Antes que eu pudesse responder ouvimos um coçar de garganta. – um cliente nos esperava no balcão.

**

Expulsei Jason da cafeteria para que acompanhasse Piper na entrevista uma vez que ele já tinha causado prejuízo o suficiente - estava dando mais trabalho do que os clientes em si, que continuaram poucos durante a tarde. Piper que lutasse. A guarda de Jason era compartilhada agora, o mínimo era que o sofrimento também fosse.

Com os dois longe ficava menos vergonhoso de encarar o número de Percy no celular enquanto tomava coragem de fazer algo. Eu sentia que devia, mas não entendia o porquê. De alguma forma a aflição presente em meu estômago não parecia ser minha.

"Você ta bem?"

Digitei e esperei. Não sabia -como parecia estar se tornando irritantemente frequente – pelo quê, mas esperei. Quando meu pulso esquerdo esquentou eu enviei.

"Não"

A resposta veio rápida, quase como se ele estivesse esperando também. Suspirei frustrado. Queria um manual sobre como aquele maldito fio funcionava, uma explicação científica sobre seus mecanismos de ação.

"Quer conversar?" – Escrevi, seguindo o que sabia ser o manual de boa conduta em uma conversa, mas não consegui enviar.

Eu não queria conversar.

A única coisa que eu queria era que ele parasse de sentir o que quer que estivesse sentindo e passando para mim. Queria voltar a aproveitar o meu dia tranquilo de trabalho enquanto sonhava com os brownies que teria de janta. E mais importante, queria ser capaz de não me importar com o completo desconhecido que Percy Jackson – como ele salvara seu contato em meu celular – era para mim.

Cocei o fio, incomodado com minha insegurança. Eu não devia nada a ele, então não tinha por que me sentir culpado por terminar aquela conversa ali.

..

..

..

"Qual seu endereço?"

**

Pensei que teríamos brownies para a janta. – Jason comentou desanimado quando chegou em casa com Piper.

- Conseguiu? – Dirigi-me a minha cunhada, ignorando Jason e o rubor que queimava meu rosto.

- Sim! – Ela respondeu animada erguendo os braços em minha direção. Eu não era uma pessoa de abraços, mas Piper agora fazia parte da exceção chamada Jason e ela gostava muito de abraços. Apertei-a de forma desengonçada e o mais carinhosa que consegui... estava feliz por ela.

- Brownies Nico, Brownies! – Jason nos separou, estalando os dedos na minha cara como se eu fosse a porra de um cachorro. Nem parecia que estava feliz pela namorada depois de ter passado o dia se mijando de preocupação.

- NÃO TEM BROWNIES CARALHO! – Gritei o empurrando. – Acabou tudo. – O olhar que ele me lançou era acusador "você comeu tudo seu filha da puta?" – Tivemos uma grande encomenda no final do dia e levaram todos os que tinham. – Minha voz tornou-se baixa devido a mentira.

Sabia que meu rosto estava tão vermelho quando o maldito fio.

Akai ItoWhere stories live. Discover now