Almas gêmeas

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"Está tudo certo para hoje?"

Eu sempre me achei uma pessoa insegura, mas Percy Jackson superava as expectativas. Desde nosso telefonema ele vinha me bombardeando com mensagens como essa; "tudo certo para sábado?" "tudo certo para depois de amanhã?" "tudo certo para amanhã?", e embora minha resposta continuasse a mesma (talvez um pouco mais grosseira) ele parecia continuar a acreditar que eu o deixaria na mão na última hora – não que eu não tivesse pensado nisso, mas eu nunca o faria... Jason nunca permitiria.

Sábado era noite de spaghetti, uma tradição muito antiga e sagrada para ser contornada por Percy Jackson e seja lá qual fosse o destino que nos aguardava, portanto, eu, Piper e Jason estávamos nos revezando na pequena cozinha para terminar tudo a tempo do horário marcado – 19hrs.

Eu não conseguira dormir e Percy muito menos. Ao invés da usual tranquilidade que nos proporcionávamos, aquela noite compartilhamos agonias e medos através do rubro fio que nos conectava. Eu pessoalmente senti vertigem até mesmo deitado, mas conforme o momento se aproximava meu coração se confortava, como se dissesse "finalmente".

18h40

- Nico, o que você acha que eles gostam além de café? – Jason perguntou. Ele estava tão pilhado que até parecia o protagonista da noite, e como sempre, ele havia exagerado.

Ao me aproximar para verificar as opções percebi nossa geladeira lotada – algo bem incomum. Tinha vinho (seco, branco e suave), três marcas diferentes de cerveja, múltiplos sabores de suco, água com gás e uma quantidade absurda de variedades de refrigerante.

- Acho que chá seria uma boa. – Respondi entre atordoado e divertido. Jason pareceu em pânico por alguns segundos, procurando entre as opções qualquer sinal de um mísero pacotinho de chá, e ao perceber que não tinha eu tive que pará-lo. – Você não vai sair para comprar chá agora. – Piper ria. Eles só podiam ser predestinados mesmo para ela achar aquele nível de paranoia divertida. – Eu estava só brincando. Se não tiver algo aqui que eles gostem é porque não vale a pena aceitá-los nessa família.

De fresco já bastava eu, mas Jason não parecia concordar. Conseguia ver seu cérebro trabalhando em uma forma de me deixar saí-lo para comprar o bendito do chá quando a campainha tocou.

- Salvo pelo gongo. – Piper murmurou ao passar para atender a porta. Não conseguia imaginar como aquela situação me era favorável de qualquer ângulo que fosse.

Eu havia focado tanto em Percy que tinha esquecido sobre seu primo e os últimos acontecimentos – nem mesmo contara a Jason ainda, que depois de insistir um pouquinho, deixou que eu escolhesse o momento que quisesse falar sobre o assunto.

Quando vi a cabeleira loira passar pela porta eu prendi a respiração, mas era só Annabeth, depois veio Percy e então a porta fechou. Nada de Will. Eu não queria verbalizar, mas meu rosto parecia mostrar mais do que palavras poderiam, então antes mesmo de um 'oi' Percy começou a se explicar.

- Will acabou tendo um compromisso urgente de última hora e não pode vir. Desculpa Nico. – Ele se dirigiu diretamente a mim, mas a sua expressão de pena não parecia ser para mim... eu não conseguia entender.

Fiz pouco caso, nervoso. Estava envergonhado de ter que vê-lo, meu consciente gritava que eu não queria encontrá-lo tão cedo, que era um alívio apesar de tudo, mas eu ainda me sentia decepcionado. Will estava me evitando?

Ele tinha todos os motivos para tal, uma vez que eu tinha claramente tentado beijá-lo em nosso último encontro, e aparentemente eu estava vendo sinais onde eles não existiam. Will não possuía interesse nenhum em mim e aquela era sua resposta.

Tudo bem, eu conseguiria lidar com isso. Assim que lavasse o rosto e engolisse toda a ansiedade que começara a subir pela minha garganta, me dando a tão conhecida sensação de sufocamento.

Cumprimentei todos com um aceno rápido e fui ao banheiro me refugiar.

- Wil e Percy são assuntos diferentes, e você vai lidar com esse agora. Com calma. Respirando fundo. – Eu repetia à minha imagem molhada no espelho. Tinha esfregado tanto o meu rosto que minhas bochechas marcavam em um escarlate chamativo, muito parecido com o fio que começara a esquentar.

Recusei a ajuda.

Eu conseguiria fazer aquilo por mim mesmo. Sequei o rosto e tentei sorrir para minha patética imagem no espelho – parecia convincente. Sai do banheiro dessa forma, pronto para recepcionar meus convidados.

Percy, Annabeth, Jason e Piper eram atores melhores do que eu e souberam fingir que não havia nada de errado, embora meus ombros parecessem pesados. Minha alma gêmea parou na minha frente, parecendo indeciso sobre sua próxima ação, então meu corpo respondeu – como em piloto automático – e eu o abracei.

Era como se todo meu ser soubesse que eu precisava daquele abraço, e naquele momento pareceu tão certo que eu nem me envergonhei – ou me dei a chance de pensar em qualquer outro assunto que não fosse a minha outra metade, bem ali na minha frente, como se tivesse estado presente ali durante toda a minha vida.

A sensação era ridícula, porque era irreal. Como magicamente eu me sentia completo e protegido daquela forma? Percy apertou os braços ao redor dos meus ombros, como se tivesse experimentando uma sensação parecida de plenitude.

Ao nos separarmos foi automático meu olhar se voltar a Annabeth, a namorada que estava assistindo aquela cena melodramática entre o cara dela e sua alma gêmea (que não era ela). O que quer que fosse que ela estava pensando era completamente diferente de qualquer opção que eu imaginara, porque ela parecia verdadeiramente feliz por nós, como se entendesse, e pela primeira vez me perguntei se Annabeth já havia encontrado sua alma gêmea.

No meio do jantar o assunto surgiu – digamos que o clima estava propício a se falar sobre isso – e ela contou como a cinco anos atrás a alma gêmea dela havia nascido como seu irmão mais novo, filho de seu pai e sua madrasta.

Eram bem raros os casos em que almas gêmeas compartilhavam sangue, ainda mais em grau tão próximo como meio-irmãos. Era a primeira vez que conhecia alguém em uma situação assim.

- Se nossa diferença fosse menor ele seria definitivamente meu melhor amigo, mas como não é o caso eu o vejo mais como um filho. Meu pai inclusive abusa do fato de eu entendê-lo tão bem e vive me deixando de babá da peste. Porque não se enganem, ele é lindo, encantador e extremamente precioso, mas é um verdadeiro terrorista. – Ela contou inúmeras histórias que me fizeram desejar nunca ter filhos, mas por algum motivo continuava com um sorriso quase que orgulhoso no rosto.

- Ele é extremamente ciumento e manipulador. Só me deixa aproveitar em paz um tempo com ela quando lhe trago sorvete. – Percy acrescentou birrento.

Foi nessa hora que percebi que mais do que Percy em comum, eu e Annabeth tínhamos ambos almas gêmeas de cinco anos de idade. No fim, me sentia agradecido de ter encontrado uma outra metade cujo maior inimigo é o irmão de cinco anos da namorada.

Ao me deitar foi difícil dormir. Minha mente estava muito ocupada tentando processar a enxurrada de informações que foi àquela noite, a ansiedade ruminando todos os meus passos para ver se eu não tinha feito ou falado nada ridículo durante o jantar que pudesse fazer eles não gostarem de mim – embora eu gostasse de dizer a mim mesmo que não ligava a mínima para a opinião dos outros.

Eram duas horas da manhã quando meu celular começou a vibrar.

"Raio de Sol...ace" brilhava na tela e como em um refluxo de ressaca eu me senti enjoado ao ponto de querer vomitar. 

Akai ItoWhere stories live. Discover now