Dia 08

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Dia 08

Atenas – 02:35 am 

Agnes entrou em um quarto vazio e trancou a porta, recostando a cabeça nela, em seguida. Fechou os olhos e começou a usar a técnica mais básica de relaxamento: uma respiração longa e profunda. Estava de plantão há quase cinquenta horas, sem ter tirado nem mesmo um cochilo. Não estava cansada, ou antes, sentia-se completamente incapaz de relaxar e dormir. O hospital estava lotado de crianças, todas com os mesmos sintomas graves de infecção, e chegavam cada vez mais, vindas de outros hospitais, também lotados.

Ela chefiava o departamento de Pediatria de um dos maiores hospitais de Atenas e era a primeira vez que via toda a equipe reunida, ao mesmo tempo. E mesmo assim, eles mal davam conta.

Repassou os sintomas, pela milésima vez só no último quarto de hora, e tentou encontrar qualquer peça que lhe permitisse desvendar o quebra-cabeças. Tinham uma equipe de diagnóstico debruçados sobre os resultados dos exames de sangue, de imagem, biópsias, células de pele, mucosas, líquido espinhal, mas ninguém tinha ideia do que poderia ser aquela infecção. Febre alta, hemorragias internas, feridas ulceradas que não fechavam por nada e nem paravam de sangrar e mais... aquela coisa esquisita.

Agnes puxou todo o ar que pôde para dentro dos pulmões e não soltou. Permaneceu segurando essa sensação, como se a tensão pudesse lhe permitir alcançar uma resposta, quase como se estivesse antecipando, esperando alguém surgir e lhe dizer que haviam descoberto a causa. E, acima de tudo, a cura.

Soprou o ar para fora de uma vez e abriu a porta, sabendo que seria novamente cercada por pais desesperados e sua equipe lhe trazendo notícias de piora, febres mais altas, convulsões, todo o tipo de coisas que lhe faziam sentir completamente impotente. A enfermeira-chefe da ala pediátrica se aproximou, estendendo-lhe um prontuário.

— Doutora Pavlis? O garoto no isolamento piorou muito. Acho que é só uma questão de horas. Com a sua autorização, vamos comunicar a família.

— Deixe-me examina-lo mais uma vez, primeiro.

Agnes vestiu a roupa do isolamento e entrou, seguida da enfermeira. O garoto de cinco anos tinha os olhos abertos, voltados para o teto e imóveis, e as mãos contorcidas em forma de garra, como se o corpo estivesse acometido de tétano. Estava ligado a aparelhos para respirar, pois o pulmão sozinho já não dava conta dos movimentos básicos. Seu corpo estava coberto de bandagens, todas marcadas de vermelho, por causa das ulcerações. Agnes abriu uma das bandagens na altura do peito e olhou para o ferimento estranho que estava ali. Ele soltava um fluido similar ao pus, mas era verde-escuro, e as bordas do ferimento possuíam nuances da mesma cor, em trechos que eram duros como lascas de madeira.

— O pessoal da biópsia ainda não conseguiu identificar isso aí? — a enfermeira perguntou.

— Não, eles disseram que esse pus verde está cheio do que parecem ser microrganismos, mas não reconhecem nenhum. Quase como se fosse uma nova espécie de bactéria ou vírus.

— Meu Deus...

— Avise a família. Aliás... reúna-os e eu vou em um minuto.

— Tudo bem, doutora.

Permaneceu ao lado da cama, olhando para a úlcera, mas sem ver, seus pensamentos ainda tentando encontrar uma resposta que não permitisse a morte daquele garotinho e das outras crianças doentes. Ouviu um barulho estranho vindo de cima, um som que lhe lembrou alguém usando um daqueles desentupidores de vaso. Olhou e tomou um susto tão grande que se afastou da cama puxando o soro do garoto, cortando o braço dele, já tão ferido.

A lâmpada e o que parecia ser uma parte do teto do quarto vinham se acumulando no meio, formando uma massa branca enorme, que esticou um tipo de tentáculo na direção de Agnes. O tentáculo começou a abrir no centro, como se a “massa” estivesse sendo soprada para os lados e Agnes abriu a boca em um grito silencioso, quando viu seu próprio rosto surgindo de dentro dele. Ele mergulhou sobre sua cabeça, engolindo-a até os pés, devorando-a, sem que restassem sequer os ossos como provas de sua existência. A “massa” caiu do teto e rapidamente se recompôs, terminando a metamorfose e exibindo a imagem da médica, impecavelmente. Saiu do quarto do garoto e se dirigiu à sala de espera, onde a enfermeira deveria reunir os pais do menino. Eles aguardavam sua chegada, apreensivos pelo veredito final. A falsa Agnes parou diante deles e sorriu.

— Nós salvaremos o seu filho. Vamos começar um novo tratamento imediatamente e tenho certeza de que será eficaz.

— Que novo tratamento, doutora? — a enfermeira perguntou, completamente confusa.

 — Hidroterapia.

A InvasãoWhere stories live. Discover now