Duas vezes em dois dias, alguém ia acabar quebrando essa porta.

Escuto algumas batidas na porta e antes que possa responder, vejo minha mãe entrando seguido de David, só percebo que cerrei os punhos quando sinto a dor aguda na palma da mão, tento relaxar a postura, mas é impossível se tratando dele.

— Oi meu amorzinho! — Minha mãe entra sorridente pela sala, vindo em minha direção e me dando um forte abraço. — Se eu não venho aqui, você esquece que tem família.

Mantenho a boca fechada para não correr o risco de dizer nada que a desagrade, apenas sorrio e a abraço de volta.

— Estou trabalhando bastante mãe, desculpa. — Ela limpa a marca do batom que acabou de deixar em minha bochecha e sorri. — Mas prometo tentar ir te visitar com mais frequência.

Não sei se ela percebeu o uso proposital do singular ao invés do plural em relação a eles, mas se percebeu resolveu não falar nada.

— Arranje um tempo para passar com seus velhos. — Me obrigo a olhar para David que ironicamente está com um sorriso nos lábios.

Me esforço o máximo possível para não revirar os olhos para essa encenação dele.

— Pode deixar, pai. — Resolvo entrar no teatro todo dele.

Mesmo que seus lábios estejam sorrindo, seus olhos demonstram outro tipo de sentimento.

Repulsa.

Devolvo na mesma intensidade.

É tão notável o clima tenso na sala que quase dá para sentir as faíscas saindo de nossos poros.

Minha mãe olha firmemente para David, ele por sua vez respira fundo e se senta à minha frente, apoiando a bengala na lateral da cadeira.

— Olha Caleb... — Ele parece tão arrependido que se não o conhecesse bem, até poderia acreditar em sua atuação.

Recosto na cadeira, apoiando os cotovelos no braço delas e cruzando as mãos na altura do queixo.

— Sei que tivemos nossas diferenças, que por sinal foram muitas ao longo dos anos. — Minha mãe dá a volta na mesa, se posicionando atrás dele e pressiona seu ombro delicadamente, como se desse força a ele para prosseguir. — Mas você é nosso filho e não podemos continuar com essas brigas e desentendimentos. — Ele pigarreia, como se não soubesse mais o que veio falar. — Somos uma família e você já é um adulto, não dá mais para nos comportarmos como duas crianças birrentas.

Sou eu o birrento. Claro!

Tento conter a vontade de revirar os olhos com as falsas palavras dele.

Ele estica a mão em minha direção.

— Vamos dar uma trégua? — Olho para a mão dele e em seguida para o seu rosto, procurando algum vestígio, qualquer sinal que seja de que ele está aprontando algo contra mim. Mas ele finge muito bem e não consigo saber se realmente está dando uma trégua, ou apenas fingindo na frente da esposa.

Levanto o indicador.

— Com uma condição? — Noto que ele trava a mandíbula em desacordo e retira a mão. Ele gesticula para que eu continue. — Você não vai se meter nas minhas decisões dentro da empresa e muito menos na minha vida pessoal. — Dou ênfase em cada palavra para deixar claro a ele sobre o que necessariamente estou falando.

— Mas nós apenas...

— David! — Minha mãe aperta seu ombro, o alertando. — Pense muito bem e com cautela em quais serão suas próximas palavras.

Cicatrizes e Demônios  |  Livro 2 [SEM REVISÃO]Where stories live. Discover now