Não o vejo sair de perto porque meus olhos estão cheios de água, mas a ameaça de que ele vai voltar a qualquer momento pra fiscalizar o avanço da arrumação fica no ar.

   Às vezes me pergunto como minha vida seria se meu pai não tivesse o combo diabetes, pressão alta e problemas no coração que o fizeram ser aposentado à força pelo exército. Pelo menos ele não teria tanto tempo à toa pra me controlar.

   Quando se tornou síndico do prédio até achei que minha situação iria melhorar um pouco, pois assim ele iria ter mais pessoas com quem gritar, mas não foi o que aconteceu.  

  Me ajoelho no chão e começo a dobrar as roupas que encontro pela frente. O quarto sempre um brinco parece que foi tomado por um furacão.

   Prendo o choro porque não quero que ninguém ouça. Pensando pelo lado positivo (tem que ter um lado positivo nessa joça de vida) ao menos acho a blusa azul da Bruna que estava procurando. Sabe, esse é o mal de se ter pais separados: nunca ter certeza em que casa suas roupas (ou as emprestadas das suas amigas) estão.

   Demoro um tempo enorme até terminar o castigo (sim, não há outra forma de chamar isso que estou fazendo) quando o celular apita avisando que tenho mensagem.

  < Tathi: já terminou o exercício de produção textual?> 15:55

    Não. Nem havia começado.

   <Cléo: Estou terminando de arrumar meu armário :/ Ainda bem que a gente tem o fds inteiro pra fazer.> 15:55

  < Tathi: A gente podia fazer juntas, né? Quer que eu vá aí?>15:55

   Eu queria dizer "sim" e pra Tathi isso significava descer apenas quatro andares, já que ela também mora nesse prédio, mas meu pai não deixaria.

<Cléo: Não. Meu pai tá um porre hj. Desculpa.> 15:56

 

                       <Tathi: sem problema. A gente se fala. Bj> 15:56

 

  Assim que escrevo de volta pra ela, ouço passos no corredor e me sento voando na cadeira da escrivaninha achando que é meu pai.

   Como ninguém entra assumo que é apenas a Marlene limpando a casa e volto a relaxar. Meu pai quer que eu estude não apenas para passar nas matérias, mas porque, segundo ele, eu vou ano que vem pro Colégio Militar e lá não é moleza.

  Puff. Até parece que vou trocar o Nossa Senhora do Perpétuo Socorro onde estão minhas amigas e minha vida pra estudar num lugar onde você só sabe bater continência e tem um uniforme bege horroroso com uma boina vermelha ridícula que mais te fazem parecer uma garrafinha gigante de Yakult.

   Quem sabe se eu manter as boas notas que ando tirando ele não para de achar que o meu colégio é fraco e muda de ideia ?

   É uma das minhas últimas cartadas...

   Então começo a por as mãos na obra, ou melhor dizendo, no exercício de produção textual. Ao menos meu pai chegaria no quarto e veria que eu de fato estou fazendo alguma coisa produtiva.

   Abro o caderno em cima da escrivaninha e leio a questão.

   

   Os celulares atuais tem se tornado uma indispensável ajuda para o mundo todo (...) ao permitir que pessoas mantenham-se em contato constantemente. Mas uma série de estudos recentes realizados por Andrew K. Prybylski e Netta Weinstein da Universidade de Essex mostrou que nossos telefones podem ferir nossos relacionamentos mais próximos. (...) Eles descobriram que simplesmente ter um telefone por perto, sem nem ao menos o consultar, pode ser prejudicial as nossas tentativas de conexão interpessoal.

Mens@gensWhere stories live. Discover now