Conto de um pirata:

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A maresia me acertava os olhos pela manhã cedo. Estávamos ali parados sem nem resquícios de ondas havia semanas, o fedor de nossos trapos, até então roupas, grudavam-se em nosso fragilizado corpo desnutrido.

Meus olhos haviam ressecado e ficados amarelos por conta do sal, mas eu não conseguia parar de derrubar lágrimas.

A comida estava escassa, e Barnes havia acabado de falecer por  mau de escorbuto. Tínhamos um limão para toda a tripulação e ele insistiu que não precisava, que estava bem e que não lhe faria mal ficar mais alguns dias sem...

Maldito almirante burro! Que sua alma seja amaldiçoada por prostitutas infernais! Eu o amava como um irmão, aquele altruísta filho da puta, se tivesse escolhido o limão, talvez outros morressem, e ele sabia disso.

- Acordem seus ratos de convés! - Gritei para toda a tripulação ouvir - Mexam-se imediatamente para não perder esse peido divino!

O vento rugia e uivava em torno do meu chapéu de couro curtido.

- Agarrem-se ao convés! - esbravejei - Primeiro imediato Bucky - encarei-o com autoridade - preparar para zarpar.
- Icem as velas seus crustáceos podres! - grita Bucky movimentando toda a tripulação, ele é alto robusto, tem longos e desgrenhados cabelos pretos e uma tatuagem de ancora no lado esquerdo do pescoço.
- Capitão Graham, tudo pronto.
- Vamos sair daqui, precisamos de terra firme o quanto antes.
- O senhor acha que conseguimos?
- Escute filho se dermos sorte em 90 milhas encontramos terra firme, isso da meio dia de navegação.
- Mas capitão... - o marujo olhou para baixo, encarando suas botas de couro.
- Não podemos esperar a marinha vir nos buscar! - Ressaltei aflito - nem sabemos se Shelby conseguiu alguma coisa! - Deixei escapar uma brasa desesperada de minha voz, respirei, coloquei as mão sobre o ombro do garoto e o tranquilizei - sei que ele é seu irmão Clarck, mas não podemos esperam nem mais dez minutos. Se perdemos essa brisa, talvez todos morramos aqui, não só Barnes, ou mesmo seu irmão.

Ele me encarou com lágrimas nos olhos, e um rosto tão tenro que quase me fez vomitar meu coração.

- Senhor eu insisto! Dez minutos, se em dez minutos ele não estiver eu mesmo ordeno a partida.
- Que merda... - fui para a escada principal e gritei - Todos vocês! Esperem! Almirante Fred marque 10 minutos.
- Capitão... - Fred ressaltou, compreendendo a situação rapidamente.
- Não vou deixar mais nenhum homem morrer.
- Sim senhor!

O primeiro minuto parecia uma eternidade, o vento aumentou e eu jurava que ao longe podia esperar  ver uma tempestade.

"Vamos logo seu monte de merda, vamos logo".

Cada segundo me torturava, se o vento parasse a culpa seria minha, minha culpa como capitão, todos morreríamos por minha culpa, seria o fim por minha culpa.

- Capitão vamos zarpar! - Bradou enraivecido o alemão alto e musculoso que tinha o rosto escanhoado e maltratado por anos de maresia e brigas de bar.
- Cale a boca e espere Barnabas.

Ficamos 10 minutos a esmo esperando.

- 10 minutos capitão - exclamou Fred aflito.
- Clarck. - Falei colocando o chapéu a frente de meu rosto e virando-me para o mar- o comando.
- Sim senhor.

Ele falou pesaroso, e pude ouvir suas lagrimas baterem contra o assoalho do navio, antes mesmo de suas palavras.

Ele respirou fundo e gritou.

- Icem as... - Interrompeu sua frase no caminho -  Ai meu deus, não, não.

O vento havia parado.

- Não, não, não - Clarck pôs as mãos no rosto e desatou a chorar.
- Seu filho da puta imundo - Barnabas o pegou pelo colarinho, o ergueu e o jogou no chão - Agora todos vamos morrer, porque a putinha quis esperar o irmão morto voltar! - ele vociferou.
- Para trás Barnabas - Entoei calmamente - Olhem no horizonte, nós já estávamos condenados mesmo sem o erro do garoto.

Abaixei o chapéu e desabei. Ao longe emergia das águas paradas no pacífico um enorme tentáculo, com igualmente ventosas enormes, um único tentáculo, com o tamanho de uma embarcação? Duas? Era tão surreal que eu mal consigo lembrar-me do tamanho.

Era gigantesco, assustador, contudo, mais assustador foi presenciar os outros sete emergindo assim como uma enorme cabeça, era maior que uma ilha, e era uma morte horrenda.

- Senhor, aquele é meu irmão!
- O que está dizendo garoto!? A loucura o tomou! Depois de tudo nós todos vamos morrer por minha culpa!

Eu estava a beira da loucura, meus nervos estavam tensos, e todo o meu corpo me dizia pra correr, nadar, mas eu nada fazia, a minha cabeça estava rodopiando e me dizia que não havia saída, eu iria morrer, iria morrer por conta de um marujo esperançoso.

- Senhor, ele está em cima daquele monstro. Veja com seus próprios olhos!

Ao olhar atentamente, observei uma pequena figura no topo da cabeça do Kraken, ele usava umas espécie de cajado encrustado em osso e corais.

- Capitão, achei algo melhor que terra firme. - Falou Shelby, logo que tocou os pés no convés.

Depois disso a criatura nos conduziu até terra firme, até Nassau, onde fomos acolhidos por Edward Tatch, ele ainda não era o terror dos mares, barba negra.

Depois que contamos nossa história, alguns poucos foram em busca dos segredos de nossa exploração e ainda tiveram mais vontade de conhecer os mistérios do mar.

Hoje me sinto bem onde estou, sou o dono da taberna Cheio de tentáculos, em Port Royale.

E devo tudo isso, à possivelmente, um golpe de sorte cagado pelos deuses do mar, sorte é pouco, uma benção, de fato.

Sou grato ao oceano.

QuimeraWhere stories live. Discover now