2018 - ABU DHABI - TREINOS LIVRES

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Circuito de Yas Marina, Novembro de 2018

POV Daniel Ricciardo

Pensar naquele momento ainda doía. Eu já estava em meu carro, aguardando o início dos treinos livres de sexta, somente aguardando o momento certo para colocar o capacete e iniciar os trabalhos deste último fim de semana pela Red Bull. Quem visse de fora, eu parecia completamente concentrado, mas só conseguia pensar em uma coisa: como tive que convencer Max a ir se arrumar para as atividades do dia. Depois daquela breve conversa, ainda passamos um bom tempo abraçados, poucas palavras ditas em um silêncio pesado. Era difícil para mim, mas não esperava Max desmoronando em meus braços daquela forma. Mas era momento de focar no agora.

Os treinos livres aconteceram sem maiores eventos em pista. Um pequeno problema no meu carro, que seria consertado durante a noite. Avaliamos os dados, estávamos otimistas com relação à classificação de amanhã. Mas confesso que eu buscava-o com o olhar do outro lado da garagem. Estava igualmente concentrado, aquela linha acentuada em sua testa, pensando em como deveria melhorar seu tempo em pista, abrindo o macacão enquanto lia algo nos monitores. Será que fui muito duro com ele? Algo de diferente que poderia ter sido?

Eu me aproximei de Max e seus engenheiros. Perguntei se ele queria dar uma volta no paddock assim que finalizasse a avaliação dos dados de treino. Ele aceitou, terminando de ajeitar o macacão na cintura e me acompanhou para fora da garagem. Conversamos sobre o treino, o desempenho do carro, alguns pontos difíceis no circuito. Mas logo veio o silêncio.

- Max, algo que eu possa fazer para que isso tudo seja mais fácil pra você? - eu quebrei o silêncio, enquanto caminhávamos devagar.

- Você poderia passar a noite comigo.

- Hoje é dia da minha equipe, você sabe muito bem - Nas sextas de corrida, sempre gostava de me reunir com Michael e Blake, meu coach e empresário. Éramos amigos muito além do trabalho. Sempre gostávamos de fazer algo tranquilo às sextas, para um fim de semana positivo.

- Amanhã?

- Cada um com seus rituais pré-corrida, não quero te atrapalhar moleque - Eu toquei de leve suas costas - e não sei se seria correto dizer "passar uma noite juntos"...

- Você oferece ajuda e não cede - Ele ri sem muita emoção, de cabeça baixa. Ele para e se apoia em uma parede - Olha, tá difícil pra mim, pensar que ano que vem não estaremos correndo lado a lado. Eu gosto muito de você... como meu companheiro de equipe. Estou apreensivo com o Pierre e... 

- Olha moleque, pra mim também é difícil, mas vamos tentar ser positivos, talvez esperar que nenhum dos nossos motores falhe e a gente finalize essa corrida juntos - Parado ao seu lado, Max havia pegado minha mão e desenhava o contorno da minha tatuagem de rosa com seus dedos - Vamos aproveitar tudo que temos até a última volta, ok? Depois da bandeira quadriculada, quero cruzar o circuito com nossos carros lado a lado, te prometo.

Max sorriu tristemente. Ele acompanhava com o olhar a equipe Renault passando por nós, soltando um longo suspiro e voltando a atenção à minha tatuagem. Cyril, meu futuro chefe de equipe, me cumprimentou com um movimento de cabeça. Aqueles seriam meus futuros companheiros, e isso o frustrava. No ano seguinte seria tudo novo para os dois. Adaptações que passaríamos, de certa forma, distante um do outro. Ainda mais rivais na pista. Eu conseguia ver aquela angústia cada vez maior.

- Hey, eu tô aqui com você ainda. Vive o presente, Max... - eu solto minha mão das suas e o toco no rosto, fazendo com que ele olhe para mim. Aponto para a tatuagem de rosa - Você se lembra disso aqui, não é? Tá tudo bem ficar um pouco triste, só não deixa isso abalar sua corrida, por favor...

- Se eu subir no pódio amanhã, podemos ao menos jantar juntos?

- Te levo no melhor kebab que existe - Abro um sorriso em sua direção. Ele sorri de volta para mim, um pouco mais tranquilo. - Me dê um instante e te encontro no motorhome, pode ser? A gente toma alguma coisa juntos antes de voltarmos ao hotel.

Ele assentiu com a cabeça e saiu, em direção à garagem da Redbull. Queria caminhar um pouco sozinho após essa breve conversa. Os últimos três anos com Max ao meu lado foram intensos, mas recheados de boas lembranças. Eu gostava de ter alguém desafiador e ainda sim, um grande amigo ao meu lado. Max me colocou no limite diversas vezes - para o bem e para o mal de nós mesmos. Poderia me enganar o quanto fosse, mas sabia que não seria o mesmo. Sem noites em claro, sem refeições juntos, sem entrevistas juntos... Resumiríamos nosso convívio a mais um amigo no paddock que vez ou outra nos encontraríamos em Mônaco. Será?

Eu encontrei mais alguns amigos ao longo da minha caminhada. Me demorei ao lado da Renault, desejando uma ótima corrida aos meus futuros companheiros. Ao retornar para a Red Bull, não encontrei Max em seu quarto, nem sua mochila. O procurei por outros cantos do motorhome, nada. Um dos engenheiros avisou que ele já tinha retornado ao hotel. Voltei ao meu espaço para pegar a mochila e também partir para descansar. E surpreendendo zero pessoas, Max deixou algo lá para mim.

Na minha cama, uma rosa vermelha e uma foto cheia de vincos e amassados. Me sentei, alisando a foto, que havia ficado na carteira de Max por um bom tempo. Era uma foto nossa no Brasil, naquele luau de 3 anos atrás. Max abria um sorriso tão genuíno, seu rosto colado ao meu, meu braço em volta de seus ombros. Seus olhos azuis em meia lua semicerrados, felizes. Virei a foto, que tinha um pequeno coração desenhado e a data: novembro de 2016.

Foi nesse dia que eu entendi tudo que passava dentro de mim, eu vi nesses olhos turquesas diante de música e fogo. Foi nesse dia que eu me apaixonei por você, Max. E eu sabia que eu não deveria.

Como chegamos aqui?Where stories live. Discover now