2016 - MALÁSIA

538 49 2
                                    


Circuito de Sepang, final de setembro de 2016

POV Daniel Ricciardo

Estar na Fórmula 1 é sacrificar certas datas que você gostaria de passar com sua família e amigos. Aniversários, em sua maioria, são no meio da estrada, longe de casa. O de Max não seria diferente. A retomada do calendário de corridas do ano colocou seu aniversário bem em uma semana de Grand Prix, do outro lado do mundo, na Malásia.

A cada nova corrida, parecia que nos tornávamos mais inseparáveis ainda. Passamos a dividir quartos em hotéis para ter mais tempo livre juntos. Max me mostrou seu passatempo preferido: videogames. Nunca foi meu maior interesse, mas comecei a me divertir competindo com ele em jogos de velocidade, ainda mais que nos permitia fazer jogos alcoólicos. E eu apresentei os meus passatempos pra ele, quando era possível: trilhas, escaladas, motocross... atividades ao ar livre que me desafiavam era o paraíso para mim. E Max parecia gostar também.

Chegamos em Sepang no domingo, chegar com antecedência ajudava no jet lag dos GPs mais distantes. Seu aniversário era na quarta-feira, e combinamos que sairíamos para beber e jantar, algo tranquilo no meio de uma semana de corrida. Eu escolhi o lugar, disse que havia estado lá em GPs anteriores e que era ideal para uma celebração. Combinamos de sair umas 19h, pois teríamos coletiva de imprensa no dia seguinte. Eu vestia uma camisa azul marinho, calça branca, com as minhas habituais correntes no pescoço. Ao sair no lobby do hotel, encontrei Max e caímos na risada. Ele estava usando as mesmas cores, mas invertido: camisa branca e calça azul marinho.

- Feliz aniversário, moleque - Eu o abracei, afagando seus cabelos. - Vamos encher a cara?

Entramos no carro alugado, dando ao motorista a localização. Chegamos em um prédio grande, com uma iluminação que deixava sua fachada cheia de listras. Entramos e me identifiquei à hostess, nos conduzindo a uma porta vermelha, com detalhes em dourado. Ao abrir, um ambiente muito escuro, e pedi que Max entrasse primeiro, quando...

- SURPRESA! - um coro de vozes gritou, enquanto diversas luzes foram se acendendo uma a uma. Eram pilotos, mecânicos, engenheiros, assessores, enfim... parecia que o paddock inteiro estava no mesmo ambiente. Um DJ já começava a tocar, iniciando a festa. Havia uma mesa cheia de doces, decorada com as cores da Holanda, com um pequeno bolo. As mesas também tinham arranjos com rosas vermelhas, brancas e azuis. Tudo organizado à distância nas últimas semanas, só para que Max tivesse um aniversário inesquecível. Um a um, as pessoas iam cumprimentando-o pelo seu dia.

- Seu filho da puta - ele me disse sorrindo, me abraçando forte quando todos já tinham cumprimentado e estavam entretidos na festa - Eu devia ter desconfiado desse "bar secreto"!

- Você merece, moleque - respondi, dando tapinhas em suas costas.

A noite se desenrolou facilmente a partir dali. Dançamos, bebemos, nos divertimos. Mas em algumas horas de festa adentro, precisei me afastar um pouco da agitação. Às vezes esses momentos introspectivos batiam, e não era tão estranho assim estar desse jeito nas últimas semanas. Me sentei em um sofá baixo, numa espécie de recepção para quem quisesse ficar um pouco afastado da pista. Observava as pessoas se divertindo, mas acabava sempre por procurar Max, que agora dançava com nossa assessora de imprensa com uma rosa na boca, simulando um tango desajeitado. Ele parecia muito feliz e isso me bastava. Fiquei por um longo período apenas seguido-o com meus olhos, com um drink em minhas mãos. Até que ele começou a procurar algo... ou alguém, que no caso era eu mesmo. Quando me viu sentado, marchou direto na minha direção.

- Uma moeda por seus pensamentos - Ele disse ao se aproximar, no qual estiquei a mão para cobrar o preço. Max tirou a rosa da boca e colocou em minhas mãos, sentando ao meu lado - espero que seja o suficiente.

Sorri, concentrando o olhar na rosa. Não era um sorriso de felicidade, mas para acalmar a linha acentuada na testa de Max, um sinal de preocupação que observei surgir sempre que se concentrava em algo. Ia ser difícil enganá-lo. 

- Não é nada, Max, fica tranquilo - estendo a rosa de volta para ele, sorrindo - Vá se divertir, não se faz 19 anos todo dia. Eu já estou indo.

- O caralho que vou sem você - ele não a pegou de volta.

- A assessoria de todos os times vai ficar maluca amanhã, com todo mundo de ressaca, né? - eu tentei desconversar, olhando Lewis e Checo visivelmente alterados, abraçados e dançando de forma desajeitada.

- Daniel, não muda de assunto - Max começava a ficar impaciente.

- A gente não pode deixar isso pra amanhã?

- Danny, olha pra isso tudo - ele apontou para o salão de festas, as luzes e as pessoas rindo e dançando - Você planejou tudo isso, convidou o pessoal, arquitetou uma surpresa... por mim. Ninguém nunca fez isso por mim. O mínimo que posso fazer é que você se divirta também.

Respirei fundo. Uma hora ou outra eu teria que falar sobre isso, mais fácil que fosse rápido e assertivo.

- Eu e a Jemma terminamos - eu vi o rosto de Max desmoronar, triste e envergonhado por tocar em algo tão sensível - Não não, por favor... não se preocupe. Está tudo bem, já tinha acabado há muito tempo, só me recusava a ver isso.

Ele se  sentou mais próximo, colando seu corpo ao meu, me abraçando de lado e apoiando sua cabeça em meu ombro. Eu retribuí, acariciando rapidamente seus cabelos.

- Eu tô bem, te prometo. Acho que estar em uma festa pela primeira vez oficialmente solteiro depois de tanto tempo... sei lá, é estranho - dei de ombros. Falar em voz alta tornava o fato ainda mais real.

- Eu sinto muito... Foi esses dias?

- Foi na volta do summer break, Max - ele me olhou, saindo do abraço e pousando sua mão no meu ombro - Eu sei, me desculpe não ter te contado antes. Eu precisava processar algumas coisas.

- Não se desculpe, não precisa... - Max se encolheu, sem saber o que dizer.

- Nós estávamos nos afastando cada vez mais, já não funcionava. Ela tinha seus desejos, eu tinha minhas ambições e nada mais batia. Foi o melhor para os dois - eu alisava as pétalas da rosa, sem conseguir olhá-lo nos olhos. Cada vez mais real - Eu tô bem, juro. Dizem que o tempo cura, mas eu nem sei se existe algo para curar.

- Mas você sabe que pode contar comigo, né?

- É claro que sim. Não movi montanhas pra fazer essa festa à toa - eu dou risada, empurrando-o delicadamente com o ombro. - Ah, eu me esqueci. Feliz aniversário.

Eu tirei do meu bolso e entreguei uma pequena caixa a ele, com um laço laranja. Ele abriu, encontrando uma bela pulseira de ouro, duas tiras do metal bem trabalhadas, que se entrelaçavam em um nó no meio. Ele se levantou sorrindo, tirando a joia e colocando-a no pulso imediatamente.

- Vem, vamos aproveitar a festa - ele me ofereceu a mão para levantar, a qual eu aceitei - Eu quero beber a ponto de não conseguir responder uma única pergunta amanhã na coletiva. Não - eu tentei novamente devolver sua rosa - fique pra você, essa é sua.

Eu não sei como essa rosa sobreviveu ao restante da noite, recheada de muita dança e bebida. Mas ela amanheceu na minha cabeceira, intacta.

.

Mais tarde naquela semana, toda a tristeza que o término poderia me afundar, tornou-se numa felicidade imensurável. Numa corrida cheia de acidentes e abandonos, fizemos nossa primeira dobradinha no pódio, com Rosberg finalizando em terceiro. Era também a minha primeira vitória como seu companheiro de equipe, o que significava uma coisa: shoey para todos. Comemorei bebendo em meu sapato, que deixava os espectadores malucos. Servi para Nico, que tomou com visível desagrado. Agora somente de meias no pódio, enchia os dois sapatos de champanhe, oferecendo um ao Max. Ele brindou comigo, consumindo toda a bebida, para o delírio da torcida e dos fotógrafos. Saímos abraçados, brincando, rindo. Uma semana perfeita.

Fechamentos de ciclos, abertura de novos.

Como chegamos aqui?Where stories live. Discover now