2018 - ABU DHABI

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Circuito de Yas Marina, novembro de 2018

POV Daniel Ricciardo

Como chegamos a este ponto?

Era cruel ver seus olhos azuis me encarando, assim tão próximos. Dentro de um quarto no mortorhome, desmontando os itens essenciais para os treinos. Aquele quarto tornou-se uma espécie de lar para mim pelos últimos 4 anos. Quantas vitórias foram celebradas ali, quantos gritos de frustração abafados, os cuidados, as delícias que a Fórmula 1 nos oferece. Ele não deveria estar ali, deveria estar fazendo o mesmo no quarto ao lado, mas ainda sim insiste em me machucar com seus olhos. Eu desvio meu olhar por um instante, encontrando Michael Italiano logo atrás de Max, sem entender muito bem o que está acontecendo. Faço um gesto com minha cabeça, indicando a porta, e meu coach sabe que preciso ficar a sós com ele. A porta se fecha, ouvindo também o clique dela sendo trancada.

- O que você está fazendo aqui, Max? Precisa se preparar também – Abro um sorriso – Eu não vou cuidar mais de você daqui pra frente, sabe? – fazendo um carinho no alto da sua cabeça, como se fosse uma criança. Eu volto a atenção à minha mala e alinho a balaclava e as luvas na cama, esperando que isso o trouxesse de volta às responsabilidades do fim de semana. Tiro também o boné da cabeça, bagunçando um pouco os cachos castanhos de meus cabelos. O boné azul, com touros vermelhos e um grande número 3 na aba, trazendo meu nome bordado na lateral: Daniel Ricciardo.

- Eu ainda não acredito que você vai embora – disse Max, baixinho, num misto de raiva e tristeza. Seus punhos se fecham, imóveis ao lado do corpo.

Suas palavras pareciam uma navalha cortando meu coração, mas eu preciso manter o foco. É minha última corrida na RedBull como companheiro de equipe de Max Verstappen. Pelos últimos 3 anos dividimos o grid e as risadas. Nos tornamos melhores amigos fora da pista, mas grandes rivais dentro dela. Eu não queria ir, desejava mais do que tudo conquistar mais vitórias, mais espaço dentro da equipe, agora que finalmente os carros pareciam render mais. Quem sabe até um campeonato mundial para celebrar ao lado dele. Mas uma série de problemas – o favoritismo pelo garoto prodígio, os diversos problemas e abandonos que tivemos ao longo do ano e o tratamento tóxico vindo dos diretores, eu precisava mudar. De certa forma, eu estava animado para um novo recomeço, novos desafios.

- Não faça isso ser mais difícil do que já é, moleque - ainda ignorando o julgamento dos seus olhos - a gente ainda vai comemorar pra caralho, vamos fazer essa corrida ser inesquecível, ok?

Sigo com a rotina, tentando ignorar a presença dele, pendurando o cabide com o macacão no armário. Meu anúncio da minha partida para a equipe Renault havia acontecido em agosto deste ano, mas ele já sabia, muito antes de Chris Horner sequer sonhar com a minha partida. Max sabia de todas as coisas que sentia a respeito do automobilismo, das minhas ambições na categoria - especialmente após Baku. Mas será que nutria esperanças de eu desistir? Talvez só esteja caindo a ficha agora.

- Eu não estou indo embora, a gente ainda vai se encontrar no paddock. Ou você vai me ignorar a partir de agora? - eu me viro com um sorriso, que se quebra imediatamente.

Vejo seus olhos marejarem, e o quanto Max luta para as lágrimas não caírem. Seu corpo chega a tremer, contendo os sentimentos. Eu ofereço minha mão para um cumprimento, no qual ele aceita, e imediatamente o puxo para um abraço. Eu sinto seus dedos amassando minha camiseta azul, forte, desesperado. Seu rosto encontra o espaço ideal para aninhar-se no meu pescoço, os soluços baixos de um choro contido. Ficamos assim por alguns minutos, em silêncio, somente sentindo um ao outro, esperando ele se acalmar. E então encontro forças para falar, saindo de seus braços.

- Pense em tudo que vivemos como um time – digo, me tentando ser forte por dois. Seguro seu rosto entre minhas mãos, tão próximo que nem parecia que o abraço havia se desfeito – Você se lembra? Se lembra de tudo que aconteceu desde aquela corrida? Da sua primeira vitória?

Ele esboça um sorriso, olhando para baixo. Eu acredito que ele se lembra sim.

Como chegamos aqui?Where stories live. Discover now