Onze

185 28 21
                                    

A primeira vez que sentiu algo remotamente parecido com "gostar de alguém" foi quando conheceu um garoto novo na escola, quinta serie. O menino foi mudado de turma por conta do comportamento inadequado, na esperança de que longe de seus amigos, não importunasse tanto. Foi colocado sentado atrás de Jeongguk, numa lógica ridícula e falha que dizia que ele não iria conversar com o garoto mais quietinho da turma. Engano de todos os professores, Jeongguk pensou assim que sentiu a primeira de muitas cutucadas no ombro. O garoto sempre pedia coisas emprestadas, borracha, lápis, papel, tesoura, cola e outros objetos que Jeongguk nem sequer pensava em trazer para a escola. Pensava que talvez o menino além de não ter nada na mochila, não tinha nada que prestasse dentro da cabeça. Pensava que a cabeça dele só servia de apoio para os cabelos levemente ondulados e os grandes olhos sapecas que o fitavam com curiosidade. Era o único que falava com ele, já que seus colegas não perdiam tempo com sua timidez.

Talvez esse foi o motivo pelo qual Jeongguk se deixou abrir para o moleque.

Entre respostas das questões e lápis emprestados, Jeongguk se acostumou a virar para trás para conversar com o garoto. Passava o intervalo sozinho, o observando de longe brincar com os colegas da turma de origem. Jeongguk tinha esperanças de que um dia ele pudesse estar entre eles, ou pelo menos apenas com ele, rindo e correndo por aí como uma criança normal.

Eis que um dia o garoto o convidou para brincar, a contragosto dos coleguinhas. Jeongguk, apesar dos esforços, ficou com vergonha de falar com os outros por conta dos olhares que pareciam lhe corroer por dentro. Logo os meninos passaram a ignora-lo, e o garoto sentou-se ao seu lado para lhe fazer companhia.

Jeongguk pode finalmente dizer que tinha feito um amigo de verdade na escola.

Ele o mostrou o mundo dos animes, abrindo um leque de possibilidades antes nunca imaginados por uma criança que só assistia TV educativa e notícias. O moleque prometera que ambos seriam os reis dos piratas, mesmo Jeongguk insistindo que não poderiam existir dois reis. Ele não ligava, o cutucando no ombro entre as aulas para lhe sugerir uma nova aventura para o intervalo.

Jeongguk estava feliz com a companhia.

Uma vez o moleque faltou, e Jeongguk sentiu sua falta na hora do intervalo. Desenhou os dois de chapéu de pirata em seu caderno de matemática, usando os quadradinhos de medida para representar os poucos centímetros que o outro tinha mais do que ele. Ficou satisfeito com o desenho, como nunca havia ficado com nenhum outro rabisco seu. Adquiriu o costume de desenhar ainda pequeno, já que não era muito bom de fazer amigos de verdade ao menos tinha os coloridos desenhados a lápis de cor e giz de cera.

O desenho era para ser segredo seu, não que temesse o que o garoto iria dizer sobre aquilo, mas porque queria manter o desenho como um tesouro. O destino do desenho, porém, foi selado quando um dos amigos do moleque o arrancou do caderno quadriculado.

"Desenhou os dois de mãos dadas! Meu pai diz que isso é coisa de viado!"

Jeongguk franziu o cenho ao ouvir aquilo, o que tinha demais em andar de mãos dadas com um amigo querido? O que o animal gracioso de chifres tinha a ver com a história? Logo se espalhou pela escola o boato de que Jeongguk gostava do garoto, e ele não sabia bem por que aquilo foi acolhido com tanta negatividade. Gostava dele sim, o garoto inquieto o fazia bem, o fazia rir, o fazia querer viver e aprender muitas coisas. Gostava de estar com ele, isso era errado?

Jeongguk não sabia ao certo, teria que perguntar para Yoongi depois.

No dia seguinte, todos o encaravam com uma mistura de medo, confusão e alguns até nojo. Jeongguk não estava acostumado a receber esse tipo de atenção, mas fingia que não via todos aqueles olhos o seguirem a cada passo até sua carteira. O moleque estava lá e pela primeira vez estava quieto, não lhe deu oi nem lhe cutucou o ombro durante a aula toda. Jeongguk ficou preocupado. Será que ele estava ainda doente? O que podia ter acontecido no dia em que o menino faltou? Decidiu que perguntaria na hora do recreio.

Azul46Where stories live. Discover now