Capítulo 10

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Aviso: Essa obra de ficção contém situações de abuso e tortura psicológica, menção a violência física, sintomas relacionados a depressão e ansiedade.

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Fúria não era um dos sentimentos aos quais Ivan estava habituado a sentir, ele a considerava um dos domínios de sua esposa. Porém, enquanto caminhava pelos corredores da Azote, sentia a ira crescer dentro de si, espantando qualquer resquício de frio. O destempero era um inimigo do pensamento racional, e Ivan sabia que precisaria se acalmar antes de reencontrar Morena e se juntar aos outros, antes de encontrar qualquer pessoa, mas seus pés o guiaram pelo labirinto que era a fortaleza que abrigava a Azote até deixá-lo no átrio iluminado que dava para a sala da Reitora.

Não conseguia entender o que fizera de errado para Aleksey ficar com raiva e se afastar. Tinha dito algo diferente? Era absurdo demais o que ele estava oferecendo, o que ele estava sentindo? Ivan sabia que Aleksey era orgulhoso e que só aceitara que ele e Morena cuidassem dele, no último ano, porque a alternativa era ficar preso numa casa no meio do nada enquanto morria lentamente. Só que Ivan achava que, depois disso, Aleksey perceberia que toda a sua relutância era bobagem. Esperava que ele tivesse entendido que os dois estavam ali porque queriam, porque se importavam com Aleksey e não queriam que ele ficasse sozinho, porque querendo ou não, ele era parte da família incomum que os três formavam. Queria que Aleksey entendesse que nada do que eles ofereciam era porque eles o achavam fraco e inútil e incapaz, como Yakov Yulievich tanto gostava de dizer e de lembrá-lo. Aleksey era o oposto disso tudo, uma das pessoas mais competentes e corajosas que Ivan já conhecera.

Porém Yakov tinha esse hábito extremamente desagradável de falar mais do que devia, atirando mentiras para todos os lados na esperança de acertar alguém. Aleksey era o alvo mais fácil – e Ivan sabia que era muita pretensão de sua parte presumir qualquer coisa sobre a dinâmica dos dois, mas não conseguia entender como Aleksey nunca fizera nada para revidar.

Nada daquilo importava naquele momento. Ivan, a princípio, tinha ignorado o convite de Yakov, mas vê-lo com seus professores havia acionado todos os alarmes. Qual era o plano que estava desenrolando dessa vez? Podia ser algo inofensivo, uma visita a pedido do Imperador, algo com intenções completamente honestas, mas se tivesse alguma chance de ser mais uma das ideias mirabolantes de Yakov para fazer Aleksey sofrer ainda mais, Ivan não permitiria. Aleksey já estava irritado com ele por motivos que não entendia, não faria diferença alguma acrescentar motivos legítimos.

A porta dupla da sala da Reitora estava à sua frente, todos os símbolos e desenhos esculpidos na madeira cor de brasa encarando-o. Se estivesse correto, Yakov provavelmente estaria ali e, se passasse por aquela porta, Ivan sabia que não teria volta. Sentia o sangue ferver só de pensar na possibilidade de ver a fuça do tio de Aleksey, imagens belíssimas de todos os cenários em que poderia descontar aquela raiva que sentia passando por sua mente. Ivan não era dado à violência e a achava pouco produtiva, mas Yakov tinha esse hábito extremamente desagradável de incitá-la e Ivan, infelizmente, também era um alvo fácil.

Poderia só ir embora, ir atrás de Morena para consolá-la e esquecer tudo aquilo. Se ignorasse Yakov, não faria diferença alguma na vida deles. No entanto, ele precisava saber. Tinha a oportunidade de descobrir o que Yakov estava tramando, e não deixaria isso passar.

Bateu com as costas da mão na madeira, adentrando a sala quando obteve permissão.

Havia entrado ali poucas vezes antes – a sala da reitoria da Azote não era um lugar que os alunos costumavam frequentar, mesmo os que estavam nos graus mais avançados da carreira de Alquimista. O cômodo era muito menor do que se esperaria, as paredes cobertas por estantes com prateleiras envergadas pelo peso dos livros, com a mesa da reitora ocupando grande parte do lugar. Yakov estava acomodado numa das poltronas largas, cobertas com um veludo azul-celeste e, do outro lado da mesa, Kalina Niktova, a Reitora, bebericava seu chá com uma expressão enigmática.

Tratado sobre Tempestades e outros fenômenos extraordináriosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora