Capítulo 2

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Aviso: Essa obra de ficção contém situações de abuso e tortura psicológica, menção a violência física, sintomas relacionados a depressão e ansiedade.

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Morena inspirou e expirou devagar, alimentando o fogo que corria em suas veias, concentrando-se em se esquentar. A tranquilidade que sentira enquanto esperava que os chamassem para a arena fora uma grande farsa, e se dissipara no momento em que ela parara de pé, ao lado de Aleksey, na beirada da arena. Ela se concentrou em controlar sua taquicardia, tentando domar seus pensamentos. Focou no calor que Aleksey irradiava e no cheiro suave de tempestade que sempre acompanhava a magia dele, fechando os olhos. Conseguia sentir o aroma suave das águas termais que a magia de Narantuyaa Zayaevna emanava misturado com o gosto metálico no fundo da boca que era resíduo de Hadassa Mirienovna.

Estavam posicionados de acordo com suas afinidades principais, no ciclo de criação: metal virava água, que dava vida à madeira, que alimentava o fogo. Para as Entropias, aquele era o início e o fim de sua arte, a base primordial para manipular os elementos. Estavam tão acostumados a pararem nessa ordem que se posicionaram assim na arena sem orientação alguma. Normalmente, à sua direita, ficaria Mihail Nataliev, o único que se recusara a fazer a prova, e que completava o ciclo com sua especialidade, fogo cria a terra, que gera metal.

Morena se inclinou um pouco para a frente para ver seus colegas na fila e deu um pequeno sorriso. Gostava de como eles eram únicos e se completavam de forma harmoniosa, bem diferente da uniformidade que algumas das outras especializações tentavam impor. Eram os mais próximos da natureza e tão exuberantes quanto ela – e cultivar e respeitar as próprias particularidades eram a chave para sua arte. Ela preferia mil vezes a sensação indescritível que sentia ao se conectar com os fluxos de energia que corriam no mundo elemental aos cálculos cuidadosos que seu marido fazia para transformar a magia e domá-la em objetos.

Eles eram tão diferentes entre si quanto os elementos em que se especializavam. Hadassa, a primeira da fila, era uma mulher alta de ombros largos, com o cabelo cacheado bem curto, num marrom acobreado parecido com o tom da sua pele, os olhos cinzentos e afiados como as lâminas de que tanto gostava. A especialista em metal era um dos raros casos de alquimistas com duas especializações – havia se graduado como Cinemática e buscava o grau de Extraordinária como uma Entropia. Morena a conhecera quando ainda eram meninas e se esbarraram numa das mesas de comida, as duas desesperadas atrás de algo que pudessem comer sem passar mal. Quando descobriu que a garota era de uma cidade muito próxima de onde Morena havia crescido, em Mièdz, as duas perceberam que tinham muito mais em comum do que uma série de restrições alimentares que eram sumariamente ignoradas pela academia onde estudavam. A especialista em água, Nara, era tão alta quanto Hadassa. Uma figura chamativa aonde quer que fosse, seu cabelo escuro e pesado caía numa trança ao longo das suas costas; seus olhos eram grandes e angulosos e sua pele era da mesma cor das pedras arenosas das montanhas que seu povo habitava, na fronteira com Xenon. Nara e Aleksey eram como ela e Hadassa – os dois haviam ficado amigos com uma facilidade ridícula por terem crescido em regiões relativamente próximas, e mantinham uma competição que ficava cada vez mais elaborada e ninguém sabia mais como tinha começado, nem que regras envolviam. Morena já conseguia imaginar a série de critérios aleatórios que eles inventariam para decidir qual dos dois havia se saído melhor depois que todos eles se titulassem.

Ao seu lado, Aleksey era uma presença sólida e reconfortante, o mais alto das quatro, seu cabelo castanho jogado para trás e sua pele branca brilhando com um tom alaranjado sob a luz das tochas. Ele era o único que estava com ela desde o início, desde que entraram na academia. Morena conhecia a magia dele tão bem quanto conhecia ela própria, e embora Aleksey não gostasse tanto de se vangloriar, ela já o vira chamar uma tempestade num dia de sol, segurando os trovões entre as mãos como se fossem brinquedos de criança. Sabia que a maior parte das pessoas na Corte achavam que ele não passava de um rostinho bonito sem cérebro, fosse pelos boatos que o tio espalhava sobre ele, fosse pela reputação duvidosa que ele estava tentando construir cuidadosamente para si. Morena sempre se irritara com a forma como o desprezavam abertamente, sem sequer disfarçar, mas Aleksey não via problema nenhum em nada disso. Ele era excelente em transformar o que jogavam contra ele em suas armas, apesar de não precisar de nada daquilo. Se quem acreditava na incompetência de Aleksey pudesse vê-lo ali na Azote, com a cabeça erguida, orgulhoso, a tensão da antecipação em seu rosto, teriam tanto medo dele quanto tinham dela, e finalmente o respeitariam.

Tratado sobre Tempestades e outros fenômenos extraordináriosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora