Capítulo 1

243 23 24
                                    

Aviso: Essa obra de ficção contém situações de abuso e tortura psicológica, menção a violência física, sintomas relacionados a depressão e ansiedade.

__

Ivan sempre achara tudo relacionado às Entropias exagerado: do princípio científico ao treinamento, incluindo o corpo docente e parte do corpo discente. Era algum tipo de castigo divino que não só sua esposa fosse uma, mas também seu melhor amigo – se é que podia chamar Aleksey de melhor amigo. Os dois eram o único motivo para ele se sujeitar a se sentar naquela arquibancada de madeira precária, enrolado em sua capa mais pesada, sofrendo no vento cortante que parecia gelar até os ossos. No resto do mundo, podia ser primavera, mas na Azote era sempre inverno, e o espetáculo ridículo que as Entropias chamavam de prova de titulação precisava ser ao ar livre.

Não era a primeira prova a que assistia: quando Aleksey e Morena se graduaram como Alquimistas, dois anos antes, ele havia aturado quase seis horas enquanto os cinco alunos aspirantes ao título atravessavam um labirinto absurdo e desnecessário, sendo obrigados a usar cada um dos cinco elementos para resolver problemas de lógica. Fora ainda pior do que o presente. As provas normalmente aconteciam no meio do ano, no auge do inverno, na semana que era mais noite do que dia. O frio já era o início dos testes: uma Entropia que não consegue se manter aquecida sem o auxílio de roupas não merece o título de Alquimista, quiçá o de Alquimista Extraordinário. Se os alunos e professores que decidiam assistir à prova não conseguiam se esquentar sozinhos, o problema era inteiramente deles. Ivan sempre detestara a ideia, mas quase morrer congelado para assistir a uma provinha não era nada comparado ao que ele poderia fazer por quem amava.

Nada disso o impediu de agradecer a todas as santas e acender velas dedicadas a todos os seus ancestrais quando Morena lhe contou que, dessa vez, haveria uma prova extra durante a primavera, perto do encerramento do ano letivo. Isso resolveria vários problemas de uma vez: Morena e Aleksey se graduariam quase um ano antes do tempo certo, ele não seria obrigado a passar tanto frio, e daria motivos para os outros nobres os respeitarem. Perfeito.

Agora, já não parecia uma ideia tão boa. Ivan sentia a ponta dos seus dedos formigando e, pela primeira vez, estava tão ansioso quanto as pessoas que enchiam as arquibancadas, tão curioso quanto elas para saber o que aconteceria na prova. Os minutos pareciam se arrastar e a ansiedade se acumulava em sua garganta, os milhares de cenários que havia imaginado com Aleksey se misturando em sua cabeça.

Era sempre um mistério o que os professores inventariam como teste. A prova de graduação de Alquimista Extraordinária nunca se repetia, mas sempre acontecia no mesmo anfiteatro: era uma construção quase tão antiga quanto o kremlin que abrigava a Azote, a escola das Alquimistas, com uma arena circular enorme que podia ser transformada em qualquer extravagância que quisessem. As arquibancadas se estendiam pela parte leste da arena e Ivan colocou seus óculos, franzindo a testa no esforço de tentar distinguir algo na névoa que escondia o espaço à frente. Voltou o olhar para a base da arquibancada, onde as quatro Entropias que tentariam o título se aglomeravam. Aleksey, o único que estava sentado. Ivan observou enquanto o rapaz passava uma mão na coxa esquerda, num gesto quase automático, e sentiu seu coração se apertar.

Será que tinha feito os cálculos corretamente? Se tivesse costurado um ponto fora do lugar, Aleksey podia não aguentar sequer começar a prova.

Levou um susto quando Tamara sentou-se ao seu lado sem aviso, se jogando na arquibancada. Sua cunhada acenou para os amigos que estavam sentados mais acima nos assentos e esfregou as mãos uma na outra, assoprando para esquentá-las, enquanto esticava suas pernas compridas o máximo que podia no espaço estreito entre os bancos.

Tratado sobre Tempestades e outros fenômenos extraordináriosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora